OPINIÃO

Artigo: Tempo de aprender

Rodrigo Craveiro
postado em 28/04/2021 06:00

Os caminhões abarrotados de corpos a caminho dos cemitérios em cidades da Itália. O papa Francisco celebrando uma missa em uma Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, absolutamente vazia. Os caixões abandonados em ruas de Guayaquil, a segunda maior cidade do Equador. As sepulturas abertas em São Paulo, em Manaus e em tantas outras cidades do Brasil. Os crematórios flagrados do alto, repletos de pontos luminosos. Ritual de despedida da vida na Índia. As ruas de grandes metrópoles absolutamente vazias. Nos últimos 13 meses, as imagens cruéis e simbólicas da pandemia nos ensinaram a conviver com a nossa finitude. Com a certeza de que somos frágeis e que um ser microscópico é capaz de interromper os nossos planos e os nossos sonhos. Temos nos confrontado com a realidade insossa e inexorável da morte, um tabu que preferíamos negar sempre que possível.

Também aprendemos a ter esperança. Gestos antes considerados banais ganharam uma dimensão quase que estratosférica. A picada de uma agulha no braço de pais ou avós tem sido o bastante para verter lágrimas de filhos e netos. Como se aquele líquido depositado na pequenina ampola afastasse todo o medo da perda e fosse garantia de sobrevida longe dos hospitais e do pesadelo da intubação. Gratidão! Foi o que senti quando minha mãe recebeu, anteontem, a segunda dose da vacina da AstraZeneca. Assim como quando meu pai recebeu as duas doses da CoronaVac, semanas atrás. Sim, gratidão pela ciência, que se impõe sobre o negacionismo e preserva vidas. Respeito pelos médicos e enfermeiros, que travam uma batalha tantas vezes inglória e se veem obrigados a engolir o choro e a duplicarem a força.

Desde o início de 2020, temos aprendido o significado da resiliência. A duras penas entendemos que o isolamento social e o uso de máscaras representam uma prova de resistência e de coragem, mas, sobretudo, de altruísmo e de amor pelo próximo. Quem nega a covid-19 se coloca na condição de potencial cúmplice de mortes. Quantas pessoas que escolheram o caminho da irresponsabilidade não provocaram luto nos próprios familiares e não semearam a separação eterna em desconhecidos?

A pandemia da covid-19 nos propicia a lição da empatia, ainda que nem todos os seres humanos estejam propensos a aceitá-la. Entender que evitar o sofrimento alheio passou a ser responsabilidade social. Aprendemos que todos somos uma comunidade global. Como todas as comunidades, devemos nos preocupar com os nossos vizinhos. Que de toda a dor, de toda a eterna ausência de um ente querido e de todo o medo possamos extrair uma oportunidade para ressignificarmos a vida e o nosso papel enquanto cidadãos. Para que possamos emergir das sombras melhores do que somos. Ainda que com sofrimento, sempre é tempo de aprender. Que todos reverenciemos os quase 400 mil brasileiros mortos.

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