Por VALDIR OLIVEIRA — Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do DF
A expressão “vestal da moralidade” tem origem na Roma Antiga. Escolhidas ainda crianças, as sacerdotisas cultuavam a deusa romana Vesta e serviam ao Estado, com o compromisso de, até 30 anos, viver na castidade. Essa conduta associava a moralidade à resistência, à sedução dos desejos, na justificativa de que a pureza eternizaria Roma. Ocorre que as sacerdotisas da Roma Antiga tinham em si também a condição humana da imperfeição. Se somos humanos, somos imperfeitos e, portanto, impróprios para assumirmos o papel de vestais da moralidade. Uma condição impossível.
O ano era 1960. Teríamos a primeira eleição presidencial depois da inauguração de Brasília. O mote era combater a noticiada corrupção oriunda da construção da nova capital federal. Jânio Quadros lançou sua campanha prometendo varrer a corrupção do país, tendo como símbolo principal de sua campanha uma vassoura. O combate à corrupção e a promessa da moralidade na gestão pública foram o passaporte para a aprovação popular. Assim, Jânio Quadros ganhou a eleição com a marca desejada da pureza na gestão pública.
A curta passagem de Jânio na Presidência foi marcada pela busca da moralidade nos costumes, com decretos que chocaram a população por sua forma de intervenção, como a proibição do uso de biquínis em concursos de beleza. A postura conflituosa imposta pelo presidente chocava o poder constituído. Para vencer a resistência dos opositores, a estratégia utilizada foi o enfraquecimento dos Poderes com um planejado autogolpe. Jânio simulou uma renúncia imaginando voltar nos braços do povo, com o seu fortalecimento e o enfraquecimento do Parlamento e das demais instituições. O povo não reagiu em sua defesa, e Jânio Quadros perdeu o seu mandato prematuramente.
Passados 30 anos, vivíamos mais um período de grandes denúncias de corrupção. O Brasil clamava por um novo herói, mais um que se apresentasse com a bandeira da moralidade e com a pauta do combate à corrupção. Inflação descontrolada e um governo atolado em denúncias de desvios foram o ambiente propício para o surgimento do “caçador de marajás”. Governador do Estado de Alagoas, Fernando Collor de Mello ganhou popularidade no Brasil com a bandeira mais desejada pela população: um líder sem máculas, uma vestal da moralidade na administração pública.
Na primeira metade de seu mandato, o país foi tomado por denúncias de corrupção. O caçador de marajás se transformou no alvo de forças políticas que descortinaram esquemas de corrupção, enfraquecendo o governo que tinha sido eleito no esteio da campanha de moralidade na administração pública. Quem elegeu a promessa de combate à corrupção se deparou com uma gestão contaminada com o veneno que havia almejado eliminar. Assim, o caçador de marajás teve seu mandado interrompido de forma prematura.
Transcorridos outros 30 anos, a história se repete. O Brasil se torna, mais uma vez, o país da corrupção. Investigações policiais com denúncias e condenações desnudam líderes e expõem vísceras podres de uma propalada contaminação sistêmica do Estado. A revolta da população desperta, mais uma vez, o desejo de um novo herói. A expectativa do povo é o resgate de um caçador de marajás que utilize uma vassoura para varrer a corrupção do país e que possa instalar a desejada moralidade na gestão pública. As gerações passam, mas os anseios permanecem os mesmos. Foi essa a onda que elegeu o atual comando do país. Foi traduzida, mais uma vez, nas urnas, a esperança da promessa que Jânio e Collor não conseguiram cumprir.
Estamos na metade do mandato da atual gestão. A cada dia, o governo se ajusta com a pauta política para proteção de sua sobrevivência. A pressão de denúncias aumenta a cada dia. A alta popularidade do governo vem perdendo forças, culminando na recente aprovação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. O descrédito da gestão, marcada por uma crise econômica e sanitária gravíssima, pode ser o calcanhar de Aquiles do atual governo.
Só o futuro próximo dirá se a maldição das vestais da moralidade se repetirá, com a prematura interrupção de um governo eleito como fruto do desejo da mudança. Talvez o erro esteja nas escolhas moldadas na promessa do herói imaculado. Ninguém o é. Na democracia, um governo será sempre o reflexo do seu povo.
Se queremos mudar, precisamos começar com nós mesmos, sempre lembrando que somos imperfeitos e que nossos escolhidos serão sempre a nossa imagem e semelhança. Mas a luta será para que o limite da imperfeição dos governantes não ultrapasse os limites da imperfeição do povo. Não devemos esperar dos líderes mais do que aquilo que estamos, nós mesmos, preparados e dispostos a dar.
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