OPINIÃO

Artigo: Fake news e desinformação: uma ameaça à democracia

Por EVANDRO LORENS — Graduado em ciência da computação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), mestre em ciência da informação pela Universidade de Brasília (UnB) e diretor da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

A história é repleta de casos de pessoas tentando manipular as outras por meio de desinformação e de informações falsas. Na eleição presidencial de 1945, as rádios de Hugo Borghi atribuíram ao candidato favorito, o brigadeiro Eduardo Gomes, uma frase que ele nunca havia dito. O grupo adversário usou a disseminação da frase como um dos instrumentos que, no final, resultaram na vitória de Gaspar Dutra. Apesar da tunga na democracia, eram outros tempos e “o que passou, passou”.

As comunicações instantâneas globais via internet fazem com que, potencialmente, todos possam trocar informações, de qualquer natureza, sem restrições nem fronteiras. A popularização de equipamentos e de infraestrutura criou os meios. As redes sociais agregaram usabilidade e a tão sonhada segmentação publicitária. Amenidades ditas em família, debates conspiratórios de encontros fechados e inconfidências ditas ao telefone ganharam escala mundial, sem filtros. O mesmo ocorreu com a propaganda enganosa, a notícia falsa e a desinformação.

Enfrentamos, agora, um “tsunami desinformacional” e nos tornamos cobaias de experimentos de controle e interferência na realidade, com as redes sociais determinando quem precisamos ser, o que devemos consumir e até em quem não votar. Destruir reputações por meio de notícias falsas e desinformação é mais eficiente do que cultivar tolerância, construir soluções e debater honestamente. É mais prático do que procurar posições de consenso e equilíbrio político.

Mas a destruição de reputações nunca ocorre isoladamente. O conjunto da obra demanda corroer a confiança na ciência, nas instituições democráticas, no jornalismo profissional e nos freios e contrapesos que viabilizam a democracia. Escândalos como o da Cambridge Analytica são só a ponta do iceberg. Em todo o planeta, têm aflorado vocações autoritárias populistas diante de olhares atônitos e ainda paralisados pelo confuso dilema moral da censura e da liberdade de expressão. A democracia está contra as cordas e, por causa de sua própria natureza, sofre para reagir. Poderá morrer se não for socorrida a tempo, na contramão dos avanços pós-iluminismo.

Inexiste uma bala de prata para superar o grave assédio das notícias falsas e da desinformação contra a democracia. O que se sabe é que a missão só pode ser realizada por muitas mãos. É preciso mobilização de governos, parlamentos, tribunais, sociedade organizada, empresas e pessoas para que haja esperança de mudança do cenário.

Enquanto cidadãos, precisamos fazer escolhas éticas em nossa própria vida digital, cobrar ética das empresas fornecedoras de bens e serviços e ensejar a privacidade como valor no uso da tecnologia. É preciso educar formal e digitalmente, estimular o desenvolvimento de senso crítico para que as novas gerações avaliem melhor o que lhes chega sob a pele de informação. Também nos cabe interagir com parlamentares, propor e pressionar por legislações, regulação governamental ou autorregulação ética das plataformas de mídias sociais.

É preciso cobrar das big techs e das redes sociais transparência, colaboração com a academia e aplicação da sua poderosa tecnologia contra a desinformação. Na seara jornalística, é importante usar e divulgar o trabalho de fact checking, e apoiar iniciativas que produzam impacto financeiro negativo sobre canais digitais de disseminação de notícias falsas e discursos de ódio, como Sleeping Giants. Na esfera jurídica, será relevante que as cortes passem a corresponsabilizar as plataformas de mídias sociais por abusos ocorridos em seus quintais, como forma de pressionar por medidas efetivas contra a desinformação, ignoradas hoje pelo ganho financeiro óbvio propiciado pelos cliques, curtidas e compartilhamentos vendidos aos anunciantes.

É preciso cuidar da democracia, seja por compreender a necessidade de cuidar de seus defeitos e idiossincrasias, seja por rejeitar a visão medonha do passado e do quão caro a democracia custou a nossos antepassados.