OPINIÃO

Artigo — 80 anos da Justiça do Trabalho: é no tempo que se faz história

Correio Braziliense
postado em 01/05/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Por MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI — Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho

É no tempo que se faz história. Em Confissões, Santo Agostinho provoca à reflexão: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar, a quem me fizer a pergunta, já não sei”. O conceito de história parece ser menos complexo, apesar de valer-se do tempo como premissa. O dicionário Oxford Languages a define como “o conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade e sua evolução, segundo o lugar, a época, o ponto de vista escolhido”.

A história é construída no tempo. E em seu próprio tempo comunica o significado do que ocorreu, deixando registros do passado para que, no presente, seja possível utilizar esse conhecimento a fim de pautar o futuro. Evidentemente, a utilidade da compreensão histórica reside na esperançosa premissa de que os ciclos se repitam de modo que a compreensão do continuum que une o passado e o presente direcione o futuro para caminhos certeiros.

Considerando esses recortes, o olhar do presente constata o quanto os feitos da Justiça do Trabalho têm contribuído, ao longo dos anos, para a história brasileira. Seja na pacificação das relações de trabalho, no incentivo ao desenvolvimento econômico, na promoção e no aperfeiçoamento de instrumentos tecnológicos para uma prestação jurisdicional célere, íntegra e justa e na valorização do trabalho e da iniciativa privada.

A origem da Justiça do Trabalho brasileira remete aos tribunais rurais, criados em 1922 com a missão de solucionar conflitos entre proprietários rurais e os locatários de suas terras que, naquele momento, eram constituídos, em geral, de imigrantes europeus. Diante da escassez de legislação trabalhista especial, esses tribunais adotavam o direito civil como substrato normativo de suas decisões. Outro marco relevante foi a criação, em 1923, do Conselho Nacional do Trabalho. Órgão responsável por expedir prescrições trabalhistas e previdenciárias de alcance federal, resultou de um cenário institucional onde, progressivamente, ganhava maior envergadura a necessidade de melhor regulamentação das relações de trabalho.

A progressiva transição de um modelo econômico exclusivamente rural para uma economia mais diversificada e industrial pautou a criação de instituições voltadas à solução de controvérsias trabalhistas. Se, em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento, em 1934, a Justiça do Trabalho ganhou estatura constitucional — originalmente, com natureza administrativa integrante do Poder Executivo, mantida pela Carta Constitucional de 1937.

Pouco a pouco, ficou cada vez mais clara a necessidade de integrar a estrutura de resolução dos conflitos tipicamente trabalhistas como ramo autônomo e especializado do Poder Judiciário. Em 1º de maio de 1941, quando se celebra o Dia do Trabalho, a Justiça do Trabalho foi instalada oficialmente, sendo, naquele momento, denominada de “a nova magistratura” pelo presidente Getúlio Vargas. Mas o passo final foi percorrido, subsequentemente, ao restabelecimento da ordem democrática após o Estado Novo, diante da integração definitiva da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário pela Constituição de 1946.

A partir de então, os órgãos da nova magistratura foram renomeados e a legislação instituiu atribuições mais especificamente relacionadas à sua natureza judiciária. Assim, os Conselhos Regionais do Trabalho foram convertidos em Tribunais Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, em Tribunal Superior do Trabalho. Ao longo dos anos, a Justiça do Trabalho ganhou também novas Varas do Trabalho, de modo a garantir maior capilaridade em virtude do aumento da demanda regional e local por prestação jurisdicional.

Com a Constituição da República de 1988 e suas emendas, a Justiça do Trabalho consolidou-se como pilar à democracia brasileira, ganhando papel de destaque na valorização do trabalho e da livre iniciativa. Sua competência atende a todo jurisdicionado, incluindo os trabalhadores que vivem do trabalho e as pessoas físicas ou jurídicas que promovem o emprego, criam postos de trabalho e proporcionam atividade remunerada, não só no modelo tradicional da relação de emprego, mas, também, nas novas formas de produzir decorrentes da Revolução 4.0.

Quando sobreveio a pandemia da covid-19, o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, com o processo eletrônico instalado na Justiça do Trabalho e utilizando alta tecnologia, deram resposta imediata às novas demandas. Não houve interrupção nas atividades judiciais, tendo ocorrido elevação na produtividade do Tribunal tanto por meio do julgamento de processos judiciais quanto pelos mecanismos da conciliação e mediação, inclusive no momento pré-processual.

Adotou-se de pronto uma postura vanguardista na proteção da saúde de magistrados, servidores e de todos aqueles que atuam perante a Justiça do Trabalho, implementando o trabalho remoto e as sessões telepresenciais.

Nesses 80 anos de serviço à população brasileira, a Justiça do Trabalho tem cumprido o papel fundamental à concretização da justiça social no Estado democrático de direito. Seus feitos históricos não estão registrados apenas na memória daqueles que estudam sua trajetória, nem nas dos que recorreram a ela para solucionar conflitos trabalhistas. Sua história é presente, na medida em que as relações de trabalho onde tomam parte milhões de brasileiros são norteadas pelos seus julgados, que também orientam o desenvolvimento econômico e social do país. Como disse Mário Quintana, “o passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”.

 

 

 

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