Artigo

Para ajudar os pacientes raros

Os diagnósticos foram sendo adiados e as doenças descobertas em estágios mais avançados

Liana Ferronato
postado em 03/05/2021 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Se a vida do portador de doença rara era difícil antes da pandemia, o dia a dia dessa pessoa só ficou mais difícil em tempos de covid-19. Os diagnósticos foram sendo adiados e as doenças descobertas em estágios mais avançados. E, no meio desse caos instaurado pela pandemia, ainda temos que lidar com os desafios regulatórios. Isso nunca foi tão evidente quanto no caso de pessoas com amiloidose hereditária mediada por transtirretina (amiloidose hATTR) com polineuropatia.

Essa é uma doença com sintomas diversos que demora para ser diagnosticada. Geralmente, os pacientes que têm essa enfermidade rara, que acomete 50 mil pacientes no mundo, a descobre em um estágio avançado, fase dois ou três, quando já existe uma limitação na mobilidade. Uma grande conquista da Associação Brasileira de Paramiloidose (ABPAR) foi conseguir incorporar ao Sistema Único de Saúde (SUS) um tratamento que ajuda a estabilizar a doença. No entanto, para pacientes em estágio mais avançado, esse tratamento não tem efeito.

Estima-se que apenas um terço dos pacientes com amiloidose hATTR responde ao tratamento inicial. Um terço começa respondendo, mas com o avanço da doença, deixa de responder. E um terço dos pacientes sequer responde à terapia medicamentosa. Mas esse tratamento é o único disponível no SUS hoje, foi uma importante conquista e ajuda centenas de portadores com essa doença, no Brasil, a terem mais qualidade de vida.

Nossa associação tem trabalhado ativamente para conseguir trazer para o Brasil mais opções terapêuticas, que ajudariam esses pacientes com a doença mais avançada. Assim como a ciência trabalhou rapidamente para chegar a uma vacina contra a covid-19, tivemos expressivos avanços na medicina, que permitiram o advento de tratamentos que atuam diretamente no mecanismo da doença, silenciando genes e bloqueando caminhos que levam aos sintomas debilitantes da amiloidose hATTR.

Os novos tratamentos abrem frentes de manejo e tratamento da doença. No entanto, o sistema regulatório brasileiro entende que qualquer tratamento para amiloidose hATTR seja enquadrado numa mesma, e única, categoria. E, como já existe um tratamento no Brasil, os demais medicamentos não são considerados inovadores. Por conta desse conceito equivocado, temos hoje dois medicamentos inovadores que estão parados na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

Se tivéssemos hoje apenas uma terapia no Brasil para cada doença, estaríamos condenando milhares de pessoas a viverem sem a chance de tratamento. As respostas às terapias variam muito entre pacientes e, por isso, é fundamental ter várias opções de tratamento. Isso é, de fato, o que amplia o acesso à saúde. Se temos hoje apenas um medicamento para uma doença tão abrangente como a amiloidose hATTR, não estamos de fato dando acesso à saúde para os portadores dessa doença.

Do ponto de vista de saúde pública, ter apenas uma opção medicamentosa no SUS gera desperdícios. Isso acontece quando, pela falta de opção no mercado, os pacientes acabam recorrendo a uma terapia que não terá o impacto necessário para o controle da sua doença. Esses pacientes acabam desenvolvendo novos quadros decorrentes da amiloidose, o que gera mais internações e uso de outras terapias para esses novos sintomas.

Sem um tratamento que possa impedir o avanço da amiloidose hATTR, a doença continua evoluindo. Façam a conta: o custo do remédio, da internação, dos novos tratamentos, do desgaste na vida do paciente, dos seus familiares. A conta não fecha nem para o governo nem para o paciente. Para acabar com o desperdício na saúde pública e ajudar centenas de pacientes com amiloidose hATTR, precisamos da compreensão dos agentes regulatórios. A medicina avançou e hoje temos mais tratamentos inovadores para controlar nossa doença rara. O sistema regulatório de medicamentos de alta complexidade também precisa avançar. Vocês podem dar o acesso dos nossos pacientes da Abpar a tratamentos que vão lhes ajudar a viverem mais e melhor.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação