OPINIÃO

Artigo: Todos por elas

Correio Braziliense
postado em 07/05/2021 06:00

Por Everardo Gueiros — Advogado

Celina tinha 8 anos quando, a 255 quilômetros da sua pacata Natal, Myrtes entrou no salão da Faculdade de Direito do Recife para receber o diploma de bacharel em Direito. O ano de 1898 estava acabando, e a moça de 23 anos não imaginava que um dia ela e aquela menina potiguar estariam na mesma trincheira. Myrtes Campos foi a primeira mulher a advogar no Brasil, uma lutadora que demorou sete anos para obter sua licença para advogar.

Celina e Myrtes se encontrariam nos anos 1920, lutando na mesma trincheira: o direito ao voto feminino. Celina Guimarães Viana foi a primeira mulher a conseguir registro como eleitora, em 25 de novembro de 1927. Apesar de cumprir todos os requisitos legais, como comprova o despacho da Justiça potiguar que reconheceu sua condição de exercer o direito ao voto, ela ganhou e não levou. Igual à dona Myrtes com o registro de advogada. Seu recém-conquistado direito de votar acabou revogado pelos poderosos que entendiam que somente os homens poderiam escolher seus representantes. Celina e Myrtes somente puderam votar após a aprovação do Código Eleitoral de 1932, o qual instituiu o voto universal no Brasil.

O que pode parecer simples nos nossos dias, como exercer dignamente a profissão ou votar a cada eleição, foi motivo de muita luta no Brasil. Tenho três filhas e sempre as eduquei para serem independentes e cientes dos seus direitos e deveres. Quero que sejam cidadãs em todos os sentidos. Muitas vezes, as mulheres se tornam independentes, pagam seus impostos em dia e não podem contar com o Estado no momento em que mais precisam.

Costumo comparar esta luta dos séculos 19 e 20 às situações de abuso previstas na Lei Maria da Penha que, mesmo com punições pesadas e a previsão do distanciamento obrigatório por parte do agressor, temos mulheres sendo humilhadas, massacradas, violentadas e assassinadas sem que o Estado seja capaz de impedir com eficiência esse tipo de selvageria.

Em 2018, o então presidente da OAB-DF, Juliano Costa Couto, juntamente com a diretoria, fez com que a entidade apoiasse o movimento He for She (Eles por Elas) da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, também integrando a Semana pela Paz em Casa, programa do Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). Esse movimento foi muito importante para sensibilizar ainda mais a sociedade e a classe jurídica contra a violência doméstica.

A violência e a segregação contra as mulheres são, muitas vezes, invisíveis. Sabemos, inclusive, que a situação piorou muito durante a pandemia e a necessidade de isolamento social das famílias. Os registros oficiais de 2020 indicam que 105.821 denúncias de violência contra mulheres chegaram até às autoridades, representando cerca de 30% de todas as denúncias de violência. Embora o número deva ser muito maior, pela dificuldade de as mulheres denunciarem seus agressores confinadas em casa.

No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aderiu ao programa He for She, acompanhando a ação pioneira da nossa administração da OAB-DF. Entendo que este tipo de programa que promove a igualdade de gênero, o crescimento profissional e o diálogo deve ser amplo e permanente. Esta consciência do papel de cada cidadão, independentemente de sexo, etnia ou religião, deve ser formada, desde cedo, em cada escola, em cada núcleo familiar, de modo que seja vista não apenas como um avanço nos costumes, mas, acima de tudo, um ativo, uma riqueza, para toda sociedade. Todos por elas. Sempre.

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