» ANTÔNIO RODRIGO MACHADO
Advogado, mestre em direito e professor de direito administrativo no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)
» FERNANDA FRITOLI
Advogada, professora, mestre em direito constitucional e doutoranda em direito administrativo pela PUC/SP
O princípio republicano, consagrado no artigo 1º da Constituição da República, impõe uma série de deveres às autoridades públicas, pois, se todo o poder emana do povo, os governantes e autoridades não cuidam de seus interesses próprios, mas dos interesses da coletividade.
Diversos são os desdobramentos do princípio republicano, entre eles o dever de as autoridades públicas darem publicidade de seus atos, de atuarem de forma proba, com transparência (artigo 37º, caput, da CR), possibilitando, assim, o exercício do controle desses atos por parte dos cidadãos.
É claro que a implementação de mecanismos para a concretização desses princípios constitucionais demanda, em alguma medida, custos, porém estes “custos” não podem ser vistos como desperdício de dinheiro público. Isso porque a mitigação da publicidade implica redução da participação da sociedade na fiscalização dos atos praticados pela Administração Pública, o que certamente custa muito mais caro para o Estado Democrático de Direito, já que, havendo transparência, inexoravelmente haverá menos corrupção e menos ineficiência, estas, sim, sabidamente causadoras de prejuízo ao patrimônio público.
Dito isso, passemos a analisar dois vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro à Lei 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos), que tratam exatamente da publicidade e transparência dos atos licitatórios. O primeiro veto foi o do § 1 º do artigo 54 da Nova Lei, que exigia que a publicidade do edital de licitação fosse feita não apenas no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), mas também no Diário Oficial do ente federativo responsável e, também, em jornal diário de grande circulação.
O segundo veto, presente no § 2º do art. 175 da Nova Lei, retirou a obrigatoriedade de os municípios divulgarem o edital de licitação em jornal diário de grande circulação local, restringindo a publicidade apenas ao PNCP e ao sítio eletrônico oficial do ente federativo integrado ao portal nacional.
Há tempos o presidente Bolsonaro vem demonstrando interesse em acabar com a publicidade oficial na imprensa comercial. Nesse sentido, em 6 de setembro de 2019, editou a Medida Provisória nº 896/2019, que alterava um conjunto de leis sobre licitações e contratos, com o escopo de afastar a obrigatoriedade de a administração dar publicidade de seus atos em veículos de comunicação, mantendo apenas o dever de informação nos diários oficiais e sítios eletrônicos do Estado. O argumento do governo Bolsonaro é que essa publicidade gera custos excessivos e dispensáveis, além de não garantir a efetividade do objetivo de transparência. A medida provisória teve seu prazo de vigência encerrado em fevereiro de 2020, mas a ideia do governo, de limitar a publicidade, continua sendo colocada em prática, incluindo-se agora o afastamento dos diários oficiais como instrumentos de divulgação dos editais de licitação.
Vivenciamos um momento de reconstrução do controle da Administração Pública e enfrentamos o desafio de organização da nossa legislação anticorrupção, que cresceu e ampliou seu escopo de atuação, mas ainda precisa de uma sistematização de sanções e autoridades competentes para a sua aplicação. Paralelamente aos instrumentos punitivos, a atuação de normas destinadas à garantia de transparência não pode ser abandonada, mas sim acrescida de novos elementos. Diante de tantos escândalos de corrupção e endurecimento dos sistemas de responsabilização, o momento exige do administrador público exatamente o oposto: transparência, publicidade.
O Portal Nacional de Contratações Públicas é uma inovação da Lei 14.133/2020, mas ainda não é uma realidade no sistema de contratações públicas no Brasil. Aliás, a internet ainda não é uma realidade em todo o território nacional, considerando as significativas diferenças regionais existentes no país. Uma coisa é certa: antes de jogarmos fora o brinquedo velho para abraçarmos o brinquedo novo, é preciso, antes, abrir o pacote e testar se ele realmente funciona.
Nas razões dos vetos acima mencionados, há uma clara confusão da administração pública federal entre o que é publicidade ativa e o que é publicidade passiva. A divulgação no Portal Nacional de Contratações da Gestão Pública garante transparência passiva sobre os seus atos, ao permitir o acesso de suas informações a todos os interessados. Na publicidade ativa, como é o caso da ampla divulgação em jornais e diários oficiais, os gestores promovem e incentivam os cidadãos a conhecerem os seus atos e deles participarem, já que a informação chega efetivamente à sociedade.
A divulgação em diários oficiais e jornais de ampla circulação deve evoluir para atingir mais pessoas e não ser descartada por uma (falsa) ideia de ser desnecessária e/ou antieconômica. Conforme afirmamos anteriormente, antieconômica mesmo é a ausência de transparência, que promove e estimula a corrupção, a ineficiência. Esta, sim, é muito cara ao povo brasileiro.
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