Por CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO — Advogado, professor emérito da UnB e da PUC/MG,
foi ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral
Comemora-se o centenário do nascimento do ministro Aldir Guimarães Passarinho, que foi um dos grandes juízes do Supremo Tribunal Federal. Longa foi a sua atividade profissional. Administrador, significativa foi sua passagem pela subchefia da Casa Civil do governo Castello Branco. Advogado, juiz federal no Rio, juiz do Tribunal Regional Eleitoral daquele estado, ministro do Tribunal Federal de Recursos, ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro e presidente do Supremo Tribunal aposentou-se, em 1991, retornando à advocacia, fazendo-o com o brilho e a dedicação dos primeiros tempos.
Nascido em Floriano, no Piauí, em 21 de abril de 1921, filho de Almir Nóbrega Passarinho e Dulce Guimarães Passarinho, e falecido em Brasília, em 29 de abril de 2014, cedo se mudou para o Rio de Janeiro, onde se diplomou em direito e se casou com a professora Yésis Amoedo Passarinho. Mas de suas raízes nordestinas ele não se esquecia. Discursando, ao se despedir do Tribunal Federal de Recursos, referiu-se à sua terra natal, enfatizando que “as perspectivas, os enfoques dos que vêm dos pampas, acostumados ao sopro do minuano, sensíveis aos problemas das fronteiras sulinas, nem sempre se identificam com os daqueles que provêm das imensidões do Norte ou das regiões do Nordeste, estes com visão de emigrantes batidos pelas secas, de capinzais crestados, de fazendas agonizantes”.
No discurso que pronunciei na sessão em que o Supremo Tribunal Federal o homenageou, em razão de sua aposentadoria, realcei o equilíbrio, a serenidade e a coragem moral que foram as suas marcas. Aldir Passarinho nunca foi de posições extremadas. Ele sabia, anotei, conciliar o novo com o tradicional e ficar com o novo, em detrimento do tradicional, como era capaz de repudiar aquele em favor deste, quando o novo não passava de mero modismo.
Lembrei Milton Campos ao lecionar que “o meio termo é uma posição de coragem, daquela tranquila e determinada coragem que resulta da convicção sincera e refletida. O ponto extremo é mais cômodo, porque oferece uma definição precisa e dispensa as constantes revisões que a realidade suscita”. Essa posição de equilíbrio, de meio-termo, transparece das decisões do ministro Aldir, posição que leva à reflexão, à meticulosidade. Os extremos impedem ver claramente as questões postas e os romanos já proclamavam in medio virtus.
Mas, assinalei, as posições de equilíbrio e de meio-termo não impediam que o ministro Passarinho adotasse decisões vanguardeiras, o que ocorreu inúmeras vezes, seja no Tribunal Federal de Recursos, no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal, sempre buscando realizar os valores fundamentais da justiça.
Dele disse o ministro Sepúlveda Pertence, ainda procurador-geral da República, discursando quando da posse do ministro Aldir na presidência do TSE: “Sob a toga aparentemente fria do juiz, revela-se o homem atormentado por um compromisso vital com os valores da justiça”. Aldir foi pioneiro, ainda juiz de 1º grau, no sustentar a possibilidade, mediante habeas corpus, do trancamento de inquérito, quando os motivos determinantes da ação policial se mostram de pronto inexistentes. E assinalava que os constrangimentos que o inquérito policial traz para o homem de bem são insuportáveis. E decisão outras de vanguarda adotou, sem alarde. A virtude é silenciosa.
A lealdade aos amigos, salientei, era característica de Aldir Passarinho. Amigos de Aldir do tempo de serviço militar — Aldir foi soldado convocado por ocasião da 2ª Guerra — ele os visitava, no Rio de Janeiro. Os funcionários antigos da Justiça Federal eram seus amigos. Aldir no Supremo, eu ainda no TFR, pedia-me que ajudasse no encaminhamento burocrático de papéis de humildes servidores, seus amigos. O grande juiz, o jurista e o advogado notável, era, sobretudo, um homem de bem e do bem, que não buscava aplausos fáceis. Justo, temperava a sua justiça com a bondade. Ai do justo alheio à piedade. De regra, é um fraco. É de Napoleão a máxima: somente os fortes são bons.
Construiu, com a sua amada Yésis, companheira de toda a vida, e que lhe sobrevive, família admirável, o seu filho, o advogado Aldir Passarinho Júnior, ministro aposentado do STJ, que lhe segue os passos, a sua nora Lúcia Eugênia e as suas netas, a jornalista Nathalia e a advogada Clarissa. Ao cabo e em suma, vale afirmar, com o testemunho dos homens do seu tempo, que o ministro Aldir Passarinho, juiz comprometido com os valores fundamentais da justiça, bem compreendia, com M. Hauriou, que “uma gota de justiça tem um valor infinito”.
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