OPINIÃO

Artigo: O sinal da mudança

Correio Braziliense
postado em 11/05/2021 06:00

Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

O presidente Joe Biden continua a surpreender os observadores da esquerda ou da direita. Sua mais recente iniciativa foi apoiar a quebra de patentes das vacinas contra o coronavírus. A primeira reação foi de espanto. Queixos caídos. Empresários enfurecidos. Lucros voando pelas janelas dos grandes laboratórios farmacêuticos de todo o mundo. Surpresa geral na Organização Mundial do Comércio. Na última reunião com representantes de 160 países, o do Brasil, que foi o único dos países emergentes a apoiar a manutenção das patentes, foi obrigado a ficar calado. Quem falou em nome dos latinos foi o Paraguai. O governo da Nova Zelândia anunciou seu total apoio à decisão do presidente dos Estados Unidos.

Derrota vexatória da diplomacia do governo Bolsonaro. O ex-chanceler Ernesto Araújo, recentemente demitido, optou por seguir os passos de Donald Trump na negação da pandemia e na defesa de teses anacrônicas até no comércio. Ele criou problemas com o governo da China e provocou sérios embaraços no fornecimento de vacinas aos brasileiros. Com sua exótica visão de globalismo, provocou graves prejuízos ao país. No caso das patentes, o prejuízo é moral. Foi um desastre de proporções épicas.

A posição do presidente dos Estados Unidos vai se reproduzir em toda a América Latina. Tem sido assim desde o tempo em que as independências começaram a acontecer no continente no século 19. Os fatos ocorridos ao norte produziram repercussões no sul do continente. O fim da Guerra da Secessão gerou no Brasil algumas consequências: a urgência em resolver a questão da escravatura, que sofria forte pressão dos ingleses, e reforçou a ideia do federalismo, que aqui se reproduziu de maneira diferente.

A América é para os americanos, disse Monroe. A frase tem vários sentidos. O primeiro deles é afastar qualquer projeto de criar colônias no Sul, embora França, Holanda e Inglaterra tenham mantido as Guianas até os anos setenta do século passado. Mas os grandes países mantiveram sua independência formal. No entanto, quando as ideias patrocinadas por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara começaram a prosperar por aqui, tudo mudou. Os militares foram incentivados a assumir o poder. Brasil, Chile, Argentina e Uruguai viveram este período. Todos treinados e orientados por decisão de Washington.

Na área econômica, aconteceu o mesmo fenômeno. O Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, depois de muita hesitação, ao lado dos aliados. Os norte-americanos construíram os aeroportos nas capitais do norte e do nordeste do país, além de montar a enorme base aeronaval de Natal, onde Getúlio Vargas se encontrou com Franklin Roosevelt, em janeiro de 1943. Além disso, houve a cessão de Fernando de Noronha, que se transformou em instalação militar norte-americana até 1949.

Recentemente, depois da queda do muro de Berlim, surgiu nos Estados Unidos a ideia do consenso de Washington que consagrou o projeto de que o mundo é um só e o comércio deve ser incentivado ao máximo. Quanto menos barreiras, melhor, quanto menos estado, maior eficiência. O nosso Paulo Guedes é apenas um espelho dessa tendência que virou escola acadêmica e pousou em Chicago, onde o ministro estudou. Depois, ele fez uma escala em universidade chilena no tempo do ditador Pinochet. Os oposicionistas no Chile foram massacrados. Até militares dissidentes do regime foram mortos. Um deles assassinado no centro de Washington.

É tolice negar a influência norte-americana nos latinos em geral e no Brasil em particular. Joe Biden, pela idade e longa experiência política, parece ser uma mistura de Ulysses Guimarães e Severo Gomes. Por ironia da história, os dois morreram juntos no desastre de helicóptero no litoral de São Paulo em outubro de 1992. O norte-americano tem plena noção de seu tempo, importância do momento e necessidade de imprimir velocidade na mudança social. Sua disputa com a China se situa no nível da competência intelectual e na velocidade dos meios de comércio. O mundo é veloz. A retórica brasileira ignora a realidade.

Dr. Ulysses ensinou que devemos temer as pessoas que podem mais do que sabem. É o caso do presidente Bolsonaro. Ele não deve ser julgado por suas palavras e atos. O exercício da política está além de sua compreensão. Ele, literalmente, não sabe o que faz. Não entende suas responsabilidades, não percebe o vento originário do oriente que varre o mundo ocidental. Depois da grande depressão provocada pela pandemia, pela letalidade absurda, pela dor das famílias, as pessoas vão correr em busca do tempo perdido. Foi assim em todas as pandemias anteriores. O novo tempo vai surpreender. Biden é o primeiro sinal da mudança.

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