Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
Assim como a noite segue o dia, todos os prognósticos feitos acerca da entrada espetacular do Centrão no governo Bolsonaro davam conta de que, mais cedo ou mais tarde, não tardariam a surgir os escândalos de corrupção pelo mau uso e até os desvios de recursos públicos na máquina do Estado. Esta é, em última análise, o que acabou se transformando a expressão criada pelo cientista político Sérgio Abranches, denominada “presidencialismo de coalizão”.
Só que com uma diferença básica: no artigo publicado ainda antes da promulgação da Constituição em 1988, Abranches se referia à possibilidade de vir a ser formado, no sistema político nascente, uma espécie de combinação entre o modelo tradicional de presidencialismo de caráter imperial, onde o Executivo se sobressaia no comando do país, passando, depois da Carta, a se submeter, até para viabilizar o próprio governo, às diretrizes propostas por um conjunto multipartidário com assento no Congresso. Como tudo neste país tende para a deformação, com o princípio do “presidencialismo de coalizão” não foi diferente.
Na verdade, é possível afirmar que as brechas e lacunas existentes na Lei Maior, e mesmo aspectos do caráter de nossa classe política, centrada na ideia de trocas e negociação de vantagens imediatas, possibilitou o surgimento institucional do mais puro modelo fisiológico de toma lá dá cá. Junte-se essa anomalia política ao fato da existência, ainda, de uma grande quantidade de empresas estatais, e está formada a mais letal e perniciosa mistura, capaz de não só dilapidar o bem e os esforços públicos, mas, acima de tudo, facilitar a perpetuação de crises institucionais cíclicas, quer pelas ameaças de impeachment, quer pela possibilidade de o Legislativo vir a usurpar dos poderes próprios do Executivo.
Para complicar ainda mais uma situação que, em si, já é por demais delicada e instável, abre-se também nesse desconcerto da nossa república as seguidas intromissões do Judiciário no Executivo, por meio do que ficou conhecido por judicialização da política.
É nesse Inferno de Dante que o presidente Jair Bolsonaro tem que se enquadrar para governar minimamente. Ideologias à direita ou à esquerda pouco importam nesse esquema de governança do país. Todos, invariavelmente, acabam em escândalos que logo são amainados pela cumplicidade e por um nefasto espírito de corporativismo, em que todos se protegem e irmanam.
O escândalo da vez envolve a empresa estatal Codesvasf, uma das joias desejadas por nove em cada 10 políticos do Nordeste. Por isso mesmo, entra e sai governo e a empresa permanece em destaque no organograma do Estado. Obviamente que não são só os R$ 3 bilhões de um orçamento secreto a criar o mais novo escândalo. Nos governos petistas, as oportunidades estavam mais centradas na Petrobras. Deu no que deu.
Agora, está sendo a vez da empresa de desenvolvimento do Vale do São Francisco. Todas as estatais, sem exceção, sofrem por um processo tremendo de loteamento político, o que, em resumo, acaba por direcionar todas as estratégias dessas empresas aos caprichos e desejos da classe política, deixando em segundo plano os reais interesses nacionais.
Com o presidencialismo de coalizão deformado, desde sua origem, somados à política de porteira aberta das estatais para a classe política e à flagrante imiscuição de um Poder sobre outro, não surpreende que o Brasil siga aos tropeços, sem presente e nem futuro à vista.
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