Se alguém deveria prezar pela justiça e pelo direito à vida, preconizado pelo artigo 5º da Constituição de 1988, este alguém é o presidente da República. Mas a principal autoridade do Brasil deu uma amostra de que aprecia o ditado “bandido bom é bandido morto” e chegou a parabenizar a Polícia Civil do Rio de Janeiro pela maior matança em favelas da história do país. Pelo menos 28 pessoas foram mortas na comunidade do Jacarezinho. Ainda que todas elas tivessem ligação com o tráfico de drogas, não cabe ao Estado impor uma espécie de pena capital informal ou adotar a posição de carrasco. É dever das autoridades policiais prender os suspeitos e colocá-los à disposição da lei.
Aliás, a própria lei e a Constituição garantem a presunção da inocência. O presidente Jair Bolsonaro acusou a mídia (pasmem) e a esquerda (pasmem) de igualarem “traficantes que roubam, matam e destroem famílias” ao cidadão comum e honesto. Além do jaleco de médico que receita hidroxicloroquina como se fosse o Santo Graal contra a covid-19, o presidente agora veste a toga, julga e condena 28 pessoas mortas no Rio.
Antes que me acusem de qualquer absurdo, adianto que sou a favor do Estado de direito. De uma nação cuja polícia não se contamine com uma banda podre; de um país onde saúde, segurança e justiça sejam pressupostos básicos dos direitos humanos e civis. Onde o presidente não gaste quase R$ 1.800 com o quilo de picanha enquanto milhões passam fome.
Se os 28 mortos no Jacarezinho eram bandidos, então que fossem detidos e entregues aos tribunais. Do contrário, nos tornaremos um império de selvageria, em que a polícia determina quem deve morrer e quem merece viver. Falo isso não apenas como jornalista que preza pelo Estado de direito, mas como cidadão que conheceu a face da violência. Fui vítima de sequestro-relâmpago, sofri tortura psicológica, vi e encarei a morte.
A chacina do Jacarezinho degradou ainda mais a imagem puída de um Brasil considerado pária global por conta da crise sanitária agravada pelo negacionismo estatal e pela ineficiência (ou má vontade) absurda do Estado. A Organização das Nações Unidas (ONU), a Human Rights Watch e a Anistia Internacional condenaram com veemência a ação da polícia. O presidente da República parabenizou a corporação, enquanto o vice declarou que os mortos eram “todos bandidos”. Parece sintomático.
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