Desde 1960

Visto, lido e ouvido — mentiras históricas

Correio Braziliense
postado em 19/05/2021 06:00

Por Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br

Que futuro harmonioso caberia a um país que tem construído seu caminho histórico com base em mentiras, meias verdades e outras imaginações fantasiosas? Essa é uma questão cujas as respostas só podem ser buscadas em exemplos, também históricos, fornecidos por outras nações ao longo do tempo.

O que se sabe, a priori, é que parece existir uma relação subjacente entre progresso material e capacidade de dizer a verdade de modo franco e aberto.

A verdade parece também estabelecer um vínculo direto entre o que é projeto e realidade. Para os antigos, a verdade sempre esteve ligada ao conceito do belo e da harmonia, querendo significar que somente por meio do atributo da ética moral é que se obtém a evolução humana.

Já os religiosos e todos os mestres da espiritualidade sempre destacaram a importância da verdade para uma vida plena de realizações. Para isso, chegavam, inclusive, a dizer que todo mal tem sua origem numa raiz comum, que é a mentira.
Houvesse um ranking internacional de classificação de nações cujo critério fosse a capacidade de seu povo e, principalmente, de seus líderes de dizerem a verdade, mesmo em momentos adversos e delicados, por certo, o Brasil ocuparia o final da lista. Sem mais delongas, somos o que somos. Ou seja, um país em que dizer uma mentira é tão fácil como dizer bom dia.

Fomos, de fato, desde o período das capitanias hereditárias, no século XVI, construindo nossa caminhada ao longo do tempo, apoiados em mentiras e outras enganações. Até mesmo antes de ocuparmos esse continente, que já possuía donos há milênios, fizemos os primeiros contatos com os povos dessa terra com base em falsas promessas de intercâmbio e amizade, para depois escravizá-los de modo bárbaro, tomando-lhes o chão ancestral, sem qualquer traço de remorso.

Com as capitanias hereditárias recebidas por doação das mãos do rei português D. João III, numa espécie de parceria público-privada, das 14 entregues, apenas duas prosperaram. As restantes malograram em falsas promessas quando o confronto com a realidade selvagem, que nada mais era do que a verdade da situação, se antepôs às mentiras e ao pouco apreço dos donatários com uma tarefa dessa envergadura.

Só nesse período, excetuando as capitanias de São Vicente e Pernambuco, que obtiveram relativo sucesso, duzentos anos se passaram entre mentiras e enganações entre a Coroa e os donatários, com muitos sequer se dando ao trabalho de aportarem por essas bandas. Com o sistema de Governo-Geral, que resultaria na fundação da primeira capital do país, na Bahia, em 1549, prosseguimos na mesma direção torta.

Desse período, o melhor retrato tirado da colônia talvez tenha sido feito por Pe. Antônio Vieira, com o Sermão do Bom Ladrão, em 1655, onde o clérigo relata a situação de uma colônia que parecia já não ter remédio, tomadas por “ladrões de maior calibre e de mais alta esfera e aos quais os reis encomendam o governo das províncias, ou a administração das cidades... e que furtam e enforcam”.

Apenas para ficar nesses primórdios de nossa história, muito antes do primeiro e segundo império, da proclamação da República e de outros fatos históricos, a maioria deles apoiados no alicerce da mentira e da enganação, que, em um átimo de tempo, nos conduziu ao ponto em que hoje estamos.

 

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