Por RUY ALTENFELDER — Advogado, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (IRS/Fiesp)
Pode existir desenvolvimento econômico, social e político de uma nação sem obediência aos princípios éticos? Em outras palavras, é possível o desenvolvimento a qualquer custo? Apesar da disseminação da crença em contrário, a história mostra que a resposta é negativa, pois o desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos, probos e comprometidos com os princípios éticos e morais, gerando um benéfico efeito cascata que constitui, se não o único, pelo menos o mais promissor caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre as nações, que marcam este século 21.
As reflexões de um dos incontestes líderes mundiais, cujas palavras transcendem a expressiva comunidade católica (perto de 1,2 bilhão de pessoas no mundo, segundo o Anuário Pontifício) —, traçam um cenário perturbador nascido da atual tendência de alijar os conceitos da ética da finalidade maior do esforço humano, que deveria ser a busca da felicidade e da justiça nas relações sociais, e não simplesmente do lucro de vários tipos a qualquer preço, em prejuízo de uma concreta sustentabilidade do desenvolvimento.
Na encíclica Caridade na verdade, o papa Bento XVI adverte que, quando prevalece o primado da técnica, a consequência é uma tremenda confusão entre fins e meios: o empresário considerará o máximo lucro na produção; o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado de suas pesquisas. Em consequência, sob a rede das relações econômicas, financeiras ou políticas, vicejam incompreensões, contrariedades e injustiças; os fluxos dos conhecimentos técnicos se multiplicam em benefício de seus detentores; enquanto as condições de vida das populações que vivem sob tais influxos — e quase sempre na sua ignorância — permanecem imutáveis e sem assegurar efetiva possibilidade de emancipação.
A marginalização da ética constitui uma questão que não respeita fronteiras: ela contamina os princípios que devem reger a convivência entre os povos e, inevitavelmente, resvala na atual qualidade das relações internacionais. O papa identifica o grande risco de a paz ser considerada uma mera produção técnica. Na visão de Bento XVI, a construção da paz exige pertinência nos contatos diplomáticos e, para que tais esforços possam gerar efeitos duradouros, seria necessário que se ancorassem em valores verdadeiros, entre os quais se inclui a capacidade de ouvir a voz das populações interessadas e atender a seus anseios.
Os meios de comunicação, que tiveram seu poder de penetração multiplicado com a disseminação da Internet, também não escaparam do rigoroso crivo da análise papal. Para Bento XVI, “parece absurda a posição dos que defendem a neutralidade da mídia, reivindicando a sua autonomia relativamente à moral”. Assim como ocorre com o espírito da lei, sempre mais poderoso do que sua forma, a leitura atenta da encíclica deixa claro que essa orientação não embute uma defesa de censura ao direito à informação, mas trata-se de um chamado à responsabilidade que, se estendido, apenas reforçará a liberdade de imprensa. Afinal, se a imprensa é um dos mais fortes pilares de proteção aos direitos civis, sua atuação não pode ignorar o pressuposto da ética.
O papa condena os graves desvios e insuficiência do capitalismo expostos pela recente crise financeira global e preconiza a criação de uma autoridade política mundial, com poder para gerenciar a economia mundial, respeitando os princípios da ética, revitalizando as economias atingidas pela crise e atenuando os desequilíbrios mais intensos. A instituição preconizada seria disciplinada por lei, reconhecida universalmente e investida de poder efetivo para assegurar a segurança de todos, com respeito à justiça e aos direitos. Utopia? Pode ser.
Mas aqui vale lembrar que, na história da humanidade, as grandes revoluções benéficas nasceram quase sempre de sonhos aparentemente utópicos de líderes que valorizaram a liberdade, a justiça e a solidariedade. Portanto, é absolutamente pertinente insistir que desenvolvimento e ética são dois princípios inseparáveis e devem constar de todos os programas de governos, assim como integrar os valores a serem seguidos por instituições públicas e privadas que queiram cumprir seu papel social e conquistar o respeito e a admiração da sociedade.
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