Quando, na fatídica reunião de 22 de abril de 2020, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que era a hora de “abrir a porteira para a boiada passar”, pois toda a atenção da mídia estava voltada para a pandemia do novo coronavírus, ele não estava fazendo nenhuma bravata. Agora, descobre-se, por meio de uma operação da Polícia Federal, batizada de Akuanduba, que, com o aval de Salles, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se transformou em um território sem lei para desmatadores e comerciantes de madeira ilegal. Toda a rígida legislação que o Brasil construiu ao longo do tempo foi jogada no lixo.
Salles, que foi à sede da Superintendência da Polícia Federal em Brasília acompanhado de um assessor armado, diz que a operação foi “exagerada”, pois não havia necessidade de busca e apreensão no ministério, em seu escritório em São Paulo e no gabinete provisório que instalou no Pará. É justamente lá, segundo investigadores, que estão os principais integrantes do esquema criminoso que vem derrubando parte importante da floresta amazônica e invadindo aldeias indígenas.
O esquema, no entanto, só foi descoberto depois que um funcionário do porto de Savannah, nos Estados Unidos, suspeitou de três contêineres com madeiras sem a documentação exigida de exportação do Brasil. A mercadoria havia sido embarcada no Pará, em 10 de janeiro de 2020, sem autorização dos fiscais do Ibama, pela empresa Tradelink Madeiras. Em 5 de fevereiro, a Superintendência do Ibama, no Pará, enviou cartas de “certidão” às autoridades americanas para tentar o desembaraço.
Segundo a PF, duas semanas depois, em 21 de fevereiro, um funcionário da embaixada norte-americana se encontrou com o presidente do Ibama, Eduardo Bim, para “discutir as comunicações conflitantes” do órgão. Bim, que também é alvo da Operação Akuanduba, é o mesmo que assinou o despacho 7036900/2020, permitindo a exportação de madeiras apenas com os documentos de transporte, incluindo as guias florestais (GF) emitidas pelos governos estaduais e facilmente fraudadas. A pedido da PF, o despacho foi suspenso por determinação da Justiça.
O ministro do Meio Ambiente e assessores são acusados de pelo menos nove crimes. E um dos focos de investigação está na movimentação suspeita de R$ 14 milhões pelo seu escritório em São Paulo, conforme processo que embasou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de autorizar a ação da PF. Salles ainda é alvo de uma notícia-crime impetrada junto ao STF pelo então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva. Ele acusou o chefe do Meio Ambiente de proteger madeireiros e de atrapalhar as investigações. Saraiva foi demitido em seguida.
Diante desse quadro devastador para Salles e o governo, pode-se concluir que o descaso do Executivo com o meio ambiente não era uma questão ideológica, mas, sim, interesse econômico. São evidentes os sinais de corrupção, que, pelo apurado até agora pela PF, destroem de vez o discurso da ética que é entoado pelo Palácio do Planalto. Símbolo mais visível da extrema direita que domina a administração federal, o ministro tem muito a explicar. Ele passou a boiada. Mas terá que prestar contas com a Justiça.
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