Martin Luther King Jr. tinha um sonho. Do alto das escadarias do Lincoln Memorial, em que os olhos se perdem na grandeza do National Mall, em Washington, o reverendo e ativista negro o partilhou com a humanidade. O sonho de um dia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos senhores de escravos sentarem-se à mesma mesa; da igualdade racial; de uma nação onde as pessoas não sejam julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo do caráter. O sonho de MLK permanece utopia nos Estados Unidos, que ainda segregam pela cor, um país cujos policiais brancos impõem a morte a cidadãos negros, privando-os do direito constitucional da presunção de inocência e da garantia de defesa.
O joelho que apertou por 9 minutos e 29 segundos o pescoço de George Floyd também é a consciência ultrapassada, atrasada de muitos. O racismo sistêmico tantas vezes é escondido sob o tecido social e transformado em tabu. Quantos de nós não presenciamos cenas horríveis de discriminação racial? A senhora branca que se indigna em partilhar o mesmo elevador social com a empregada doméstica de cor negra; o pedestre que ignora o pedinte por causa de seu tom de pele; o cliente que se recusa a ser atendido pelo vendedor negro; o cidadão que se comporta com descalabro ao perceber que um negro é um profissional bem-sucedido. Todos os dias muitos agem como o policial Derek Chauvin, que, há um ano, tirou de Floyd o bem inalienável e mais sagrado: o direito de viver.
Eu não posso respirar. Em um mundo onde a barbárie impera sobre a razão, em um país onde o fanatismo e o ultraconservadorismo têm primazia sobre o pensamento conciliador e a moderação de ideias. Eu não posso respirar em uma sociedade que espezinha os seus iguais e condena muito deles a uma vida de opressão apenas por serem negros. Como se a cor da pele determinasse o caráter de alguém. Não posso respirar em uma nação onde negros são maioria absoluta em guetos e favelas, onde a classe média se sente no direito de questionar as cotas raciais, onde a mentalidade escravagista ainda corrói o cérebro de tantos “homens de bem”.
Talvez um dia o sonho de Martin Luther King Jr. se torne uma realidade. Talvez um dia o joelho de outro Derek Chauvin pare de pressionar o pescoço de outro George Floyd e lhe permita respirar. Talvez um dia os grilhões da hipocrisia, do radicalismo e da banalização do ódio sejam definitivamente rompidos. Talvez um dia a palavra “igualdade” não seja tão somente um verbete perdido, esquecido, abandonado quase no meio do dicionário. E o respeito à pluralidade racial e à ideologia da mansidão selem todos os espaços para o fanatismo, a degradação da humanidade e a barbárie. Eu não posso respirar e, assim como Martin Luther King Jr., sonho tanto com um mundo melhor.
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