Desde que foi instalada pelo Senado, há um mês, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus tem cumprindo o seu papel, ao mostrar as escolhas erradas que levaram a mais de 450 mil mortes pela covid-19. Não por acaso, acompanhar os depoimentos dos convocados pelos senadores tornou-se mania nacional, com elevadíssima audiência nas tevês e intensos debates nas redes sociais. A CPI passou a ser uma espécie de reality show para os brasileiros.
Daqui por diante, porém, há risco de a Comissão se desviar de seu caminho original. Está visível um racha entre os integrantes que compõem o chamado grupo dos sete e que interesses pessoais começam a se sobrepor aos do país. Reuniões secretas, acordos nos bastidores, acusações de traições, ataques pessoais, bate-bocas públicos. Tudo isso só contribui para reduzir a credibilidade da CPI. O que a população quer — e cobra — é uma investigação técnica e profunda, sem perseguições a quem quer que seja. Uma postura austera só consolidará a confiança que o trabalho dos senadores precisa.
Com os requerimentos aprovados ontem, a Comissão Parlamentar de Inquérito escala mais um degrau. Serão ouvidos nove governadores, cujas gestões na área de saúde estão sob investigação da Polícia Federal, integrantes do propalado gabinete paralelo que funcionaria no Palácio do Planalto e, novamente, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex-comandante da pasta, o general Eduardo Pazuello. Nos casos do atual e do ex-ministro da Saúde, foram identificadas muitas contradições nos depoimentos e, segundo senadores, mentiras deslavadas. Chegou a hora da verdade.
Os defensores do Planalto dizem que é preciso tirar o foco da CPI sobre o governo federal, pois parte dos recursos liberados aos estados pela União para o combate à crise sanitária teria sido desviada. Os governadores, contudo, temem se transformar em vilões por crimes que não cometeram. A verdade é que o melhor caminho para todos é a prestação correta das contas. A transparência na hora de falar com a população, por meio dos questionamentos de parlamentares, será fundamental para separar o joio do trigo.
O mais importante é que todos os governantes, sem exceção, deem explicações concretas ao país. Não é aceitável que tanta gente tenha morrido por causa da omissão sem que os culpados sejam apontados e punidos, mesmo que por meio do voto — as eleições de 2022 serão uma ótima oportunidade para isso. A maior parcela da sociedade está inconformada, sobretudo, porque uma terceira onda da covid-19 já está em curso no país, puxada, possivelmente, por novas variantes, entre elas, a indiana, sem que não se tenha um plano consistente de vacinação. As doses de imunizantes estão escassas e, mais uma vez, o Ministério da Saúde voltou a rever para baixo a estimativa de injeções disponíveis para junho.
Se o Brasil realmente tivesse se preparado para o enfrentamento do novo coronavírus, em vez de medo, a população estaria, agora, confiante de que o período mais nefasto da pandemia ficou para trás. Caso realmente venha com a força alardeada por especialistas, a terceira onda da covid-19 fará um estrago muito pior do que as duas anteriores. Os hospitais estão no limite, com mais de 90% de ocupação das UTIs, faltam insumos básicos para intubação, o tempo de internação só aumenta e as sequelas estão mais graves. O desastre está anunciado. Que a CPI ajude a evitar o pior.
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