Opinião

Artigo: Faria bem um voto de silêncio

Quando foi que parte da elite brasileira que hoje ocupa cadeiras no poder perdeu a humanidade?

Acho que já perguntei isso aqui, mas continuo sem resposta: quando foi que perdemos a humanidade? Não é que considere que todos nós perdemos. E, neste caso, poderia reformular a pergunta: quando foi que parte da elite brasileira que hoje ocupa cadeiras no poder perdeu a humanidade? Neste caso, a resposta sai mais fácil: eles nunca habitaram esse lugar de humanos que se importam com outros humanos.

Com mais de 400 mil mortos por coronavírus, consequência de uma política pública criminosa nesta pandemia, confesso minha incapacidade de deglutir as frases indigestas do senhor ministro Paulo Guedes, que deu para regurgitar seu imenso preconceito contra os pobres. Com o espírito impregnado da miséria intelectual disfarçada de neoliberalismo, ele aponta suas lanças contra ações afirmativas e programas sociais. Quem ele pensa que é? Por que um “filho de porteiro” formado ou uma “empregada” na Disney incomodam tanto?

Estudei em universidade paga e só me mantive porque recebi o crédito educativo. Eu e milhares de outros brasileiros que tiveram alguma oportunidade na vida graças a estudos financiados pagamos nossa dívida financeira e social. Hoje, nós bancamos o salário e as benesses de políticos e demais autoridades no poder. Deve ser de fato indigesto para o senhor ministro e tantos outros arrogantes no poder saberem que são sustentados por milhares e milhares de trabalhadores brasileiros. Pois que durmam com essa certeza e cuspam no prato que comem todos os dias! Haverão de sofrer indigestão permanente porque essa realidade não muda.

Há uma CPI em curso, oportuna e necessária. Os fatos não deixam dúvidas do tamanho da irresponsabilidade. E ainda que os ilustres parlamentares não cheguem aos resultados necessários para fazer justiça a tantos mortos, jogarão luz sobre os desmandos de quem deveria ter, única e exclusivamente, zelado pela vida humana. A história se encarregará de fazer justiça, se os eleitos para isso não o fizerem.

A verborragia inconsequente dos poderosos, como as frases absurdas do ministro Paulo Guedes, também já está escrita no pior capítulo da história brasileira. Compõe o vernáculo odioso e inconsequente de um governo que preza pela desumanidade. É preciso alimentar-se de covardia extrema para colocar para fora tanto preconceito pelos pobres. Um jejum forçado de palavras seria imperioso para devolver a essas pessoas o próprio veneno. Faria um imenso bem à humanidade comprometer-se ao menos com um voto de silêncio, este, sim, precioso para quem não tem um bem que seja para externar.