O impacto da pandemia na educação

» MOZART NEVES RAMOS Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados d
postado em 03/06/2021 06:00
 (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

As primeiras avaliações diagnósticas sobre o desempenho dos estudantes durante a pandemia começam a ser divulgadas — e são desastrosas, até para os mais otimistas. Os números são muito preocupantes não só quanto à aprendizagem, mas, também, no que se refere ao aumento da desigualdade e do abandono escolar; neste último caso, a situação é mais grave entre os jovens que estão no ensino médio.

Segundo estimativas da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), divulgadas recentemente, a América Latina (AL) retrocedeu em pelo menos oito anos no acesso ao conhecimento durante a pandemia. Em razão do pouco incentivo governamental para o acesso ao ensino remoto, milhões de crianças e jovens ficaram literalmente sem estudar ao longo de 2020, e isso ainda continua neste início de 2021. A OEI estima que cerca de 17 milhões de estudantes dos últimos anos do ensino médio e dos primeiros anos da graduação terão dificuldades para continuar os estudos, principalmente por terem que auxiliar na renda familiar.

O problema deve se agravar ainda mais, especialmente em países, como o Brasil, que não esboçaram nenhum plano nacional de conectividade digital que pudesse chegar aos mais pobres, levando-se em conta que a segunda onda de covid-19 está extremamente agressiva, e a vacinação, muito lenta. As escolas públicas devem continuar fechadas, em sua larga maioria. As escolas particulares, por sua vez, estão conseguindo oferecer o ensino combinado presencial e remoto, apesar das dificuldades geradas pelos ciclos sanitários da pandemia, que se agravavam em alguns momentos em determinadas regiões do país.

Quando a pandemia começou, em meados de março de 2020, e as escolas tiveram de fechar para o ensino presencial, as redes públicas de ensino que mais rapidamente se organizaram para oferecer o ensino remoto, guiado pelas novas tecnologias, foram São Paulo e Paraná. O estado de São Paulo combinou a oferta por meio de três grandes mecanismos: o chamado Centro de Mídias da Educação de São Paulo (CMSP), o uso de aplicativos para aulas on-line e as aulas assíncronas, numa parceria com a TV Cultura.

Ao longo do processo, a Secretaria de Educação começou a perceber que, apesar desses esforços, muitos estudantes não estavam conseguindo acessá-lo ou não conseguiam se adaptar a esse modelo de ensino. A preocupação com o abandono escolar começou a crescer, e, com isso, verificou-se a necessidade de se instituir um programa de busca ativa para trazer os alunos de volta às atividades escolares, mesmo que remotas.

E foi exatamente o estado de São Paulo que mais uma vez saiu na frente, divulgando agora os resultados provocados pela pandemia na aprendizagem escolar, ao avaliar, no início de 2021, estudantes do 5° e do 9° ano do ensino fundamental e do 3° ano do ensino médio em língua portuguesa e matemática. Os números mostraram que a pandemia provocou um grande estrago na aprendizagem escolar. O efeito maior se deu para os alunos do 5° ano. Em 2019 — portanto, antes da pandemia —, a nota média em língua portuguesa no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi de 223 pontos, e, agora, esse número caiu para 194 — 29 pontos a menos —, o que equivale à nota média obtida há 10 anos, ou seja, em 2011. Em matemática a situação foi ainda pior. Em 2019, a nota média foi de 243 pontos, enquanto o resultado de 2021 foi de 196 pontos — ou seja, 47 pontos a menos —, o que equivale ao resultado de 14 anos atrás!

Em relação ao 3° ano do ensino médio, última etapa da educação básica, a rede retroagiu em 11 pontos e 18 pontos em língua portuguesa e matemática, respectivamente, voltando aos resultados próximos aos de 2013. Os resultados relativos ao 9º ano do Ensino Fundamental são muito similares a estes últimos. Se esta é a situação na rede estadual de São Paulo, imaginem agora o retrocesso escolar nos municípios mais pobres, nos grotões deste país, muitas vezes esquecidos pelo poder público. Precisamos reconhecer que há uma pandemia educacional que pode ser devastadora em médio e em longo prazo se nada for feito.

Os números de São Paulo revelam o dano cognitivo, mas há, também, o decorrente do tempo que os alunos ficam afastados das escolas, que impacta a saúde mental e o desenvolvimento socioemocional dos estudantes. É preciso que, urgentemente, o Ministério da Educação organize, em colaboração com as secretarias de Educação de estados e municípios, uma agenda nacional de enfrentamento à pandemia educacional, em colaboração com a sociedade. Como diz a poeta e educadora chilena Gabriela Mistral, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura: “O futuro das crianças é sempre hoje. Amanhã será tarde”.

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