Ainda que os riscos de racionamento de energia neste ano sejam diminutos — não passam de 5%, segundo estudo realizado pelo Itaú Unibanco —, as consequências da mais grave crise hídrica em 90 anos serão pesadas para empresas e consumidores e, por consequência, para a economia. Se há uma onda de euforia entre os agentes de mercado diante da recuperação mais forte da atividade, muitas incertezas estão no meio do caminho. É preciso que o governo nem pisque em relação a esse assunto. A falta de eletricidade é capaz de abortar toda a reação do Produto Interno Bruto (PIB).
Parte dos problemas da crise hídrica já está contratada, admite o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ele prevê encarecimento dos alimentos, mais inflação e juros em alta. A escassez de água reduz a produção agrícola. Oferta menor no campo significa preços maiores nas gôndolas dos supermercados. Para conter a onda de repasses, o BC terá de puxar a taxa básica de juros (Selic) para além do previsto. Com a Selic subindo, os bancos elevarão os custos do crédito. Financiamentos mais caros inibem consumo e investimentos, as molas propulsoras da economia.
O Brasil já enfrentou um grave racionamento em 2001, que jogou a popularidade do governo da época e a economia para o buraco. Felizmente, nos anos seguintes, o país fez parte do dever de casa, ao criar um sistema de distribuição unificado e incentivar a diversificação da matriz energética. O trabalho, no entanto, ficou no meio do caminho, seja por ineficiência dos agentes públicos, seja por questões regulatórias. Para piorar, São Pedro decidiu não dar toda a sua contribuição e problemas climáticos, que a atual administração do país não reconhece, tornaram-se mais frequentes.
Uma das saídas neste momento para conter os estragos é uma ampla campanha de conscientização por parte da população. É necessário conter o desperdício. O governo diz que já está fazendo esse alerta, mas especialistas afirmam que o que se viu até agora em termos de comunicação com a sociedade é muito pouco perto da gravidade da crise hídrica. A sensação, ressaltam, é a de que as autoridades estão contando com a benevolência dos céus quando novembro chegar, início do período de chuvas. Nada garante, porém, que os níveis pluviométricos serão suficientes para encher os reservatórios.
Pode ser que o governo desperte quando a população começar a gritar nas ruas contra a carestia da comida e das contas de luz. O descontentamento já é visível, mas ainda contido para estimular os responsáveis por políticas energéticas a se moverem na velocidade que a situação demanda. Tomara que não acordem tarde. Também é preciso, como ressalta Roberto Campos Neto, que as questões climáticas e a sustentabilidade do meio ambiente entrem de vez nos discursos de quem decide. A fatura do negacionismo é muito cara. Basta olhar para a crise sanitária, cujo descaso já matou quase 470 mil brasileiros.
Nos últimos tempos, o Brasil tem se destacado por escolhas erradas. Negligenciar os riscos de racionamento é flertar com o precipício. Por enquanto, as térmicas, que custam caro e são muito poluentes, têm compensado a falta de chuvas. Mas esse sistema tem limites. E eles estão muito próximos. A hora é de agir. E não de criar marolas para distrair o grande público.
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