ANDREY ROOSEWELT CHAGAS — Mestre em Políticas Públicas em Saúde, Presidente Nacional da União Nacional LGBT (UNALGTB), RUTH VENCEREMOS — Drag Queen, ativista LGBTQIA+, cofundadora e diretora do Distrito Drag
A 3ª Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas completa 20 anos. Foi promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2001, em Durban, África do Sul. O evento é um marco histórico, pois condensou ampla diversidade de temas que estavam em debate por vários movimentos sociais. Um dos grandes avanços obtidos pela sociedade brasileira pós-Durban foi a adoção de políticas de ações afirmativas como forma de superação do racismo, da discriminação e das desigualdades. Passadas duas décadas, o que mudou? Quais os avanços? Que desafios persistem?
O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das primeiras políticas públicas com participação social e a área governamental de saúde é pioneira no diálogo com a sociedade civil. Vale ressaltar que o direito universal à saúde é assegurado na Constituição Federal de 1988 e a organização das ações e dos serviços do SUS se relacionam com os princípios da universalidade de acesso, integralidade do cuidado e equidade de direitos. Não à toa, é uma área estratégica na implementação de direitos para as populações em situação de desigualdade como a negra e a de LGBTQIA+.
Trazemos à reflexão de quem fez parte direta da luta por acesso, ainda na década de 1990, quando os movimentos sociais de negras os denunciavam o racismo como um sistema que produzia desigualdades. A população LGBTQIA+ que, nessa década, tinha como grande problema a epidemia do HIV/Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, questionava o Estado sobre a ausência de ações para garantir a integralidade de cuidado para lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transexuais. As denúncias abrangiam também a falta de políticas públicas de promoção de direitos, redução de violência e desigualdades.
As conferências mundiais da ONU são marcos legais, sobretudo no que diz respeito aos direitos humanos e bem-estar social, além de potencializar políticas públicas para promoção de igualdade. A Declaração final de Durban reafirmava que os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e tudo que fere essa diretriz deve ser combatido ou contribui para que se perpetuem as violações.
A Conferência de Durban reconheceu falhas no combate e denunciou violações, especialmente pelas autoridades públicas e políticos, em todos os níveis, são fator de incentivo à sua perpetuação. A partir do governo Lula, que assumiu compromisso com reivindicações históricas dos movimentos sociais, de mulheres, estudantis, movimento negro e LGBTQIA+, foram criadas secretarias, departamentos, instrumentos governamentais direcionados para o diálogo e implementação de políticas para promover igualdade racial, de gênero, para juventude, povos tradicionais, quilombolas, entre grupos sociais da maioria minorizada.
Grupos de trabalho, comitês de participação social, conferências nacionais, estaduais e municipais, conselhos com presença da sociedade civil atuaram fortemente nesses anos de fomento e exercício da participação social, que resultaram em políticas públicas inclusivas, como as Políticas Nacionais de Saúde Integral das Populações Negra e LGBT. Esse processo resultou num conjunto de ações capilarizadas, por meio da rede SUS, que transformou a vida das pessoas.
Esses avanços incomodaram setores conservadores, que não aceitam abrir mão de privilégios e vantagens sociais que a branquitude assegura a determinados grupos desde o Brasil colônia. Isso contribuiu para uma cultura de ódio e colabora com a reorganização de setores extremistas que tentam minar a nossa jovem democracia e muitas ações e setores enfrentam retrocessos.
Impossível desconsiderar a informação de que a vida de uma pessoa LGBTQIA+ no Brasil segue em risco: só em 2020, foram 175 mulheres trans assassinadas, um aumento de 41% em relação a 2019, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O Brasil enfrenta uma crise pandêmica, econômica e social que aprofunda a miséria, o desemprego, a fome, a violência, mata pessoas e precariza vidas. E, neste cenário, as pessoas pretas e LGBTQIA+ vêm sendo diretamente impactadas.
O grande desafio é ocupar ainda mais os espaços de participação, reivindicar a democracia participativa, ampliar parcerias, identificar convergências e nos “aquilombarmos” sem perder nossas especificidades. Subjetividades fazem parte da nossa humanidade e a diversidade nos fortalece para a luta e a resistência, pois nosso maior inimigo, que emperra o desenvolvimento social e econômico do Brasil, é a combinação letal de patriarcado e racismo.
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