Aos amigos, os benefícios e, aos inimigos, os rigores da lei. O velho adágio bem retrata a aplicação de punições num país onde a desigualdade persiste em todos os campos, inclusive na Justiça, e torna sem sentido o mandamento constitucional de que “todos são iguais perante a lei”. Até então, sabia-se que as Forças Armadas eram uma exceção, onde hierarquia e disciplina eram intocáveis ou irretocáveis. Ledo engano.
A decisão do comando do Exército de eximir o ex-ministro Eduardo Pazuello de punição, por participar de ato político, algo vedado aos militares da ativa, não causou perplexidade. Era uma decisão esperada, na verdade, dada como certa, pois o comando atendeu ao pedido, ou melhor, cumpriu a ordem do comandante em chefe das Forças Armadas, o presidente da República.
Reações emergiram de todos os lados, não só dos opositores políticos com assento no Congresso Nacional. Vieram também de militares, como o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que serviu ao Palácio do Planalto nos seis primeiros meses de 2019, no cargo de secretário de Governo. “É uma desmoralização para todos nós”, escreveu, em sua página no Facebook. E acrescentou: “Houve um ataque frontal à disciplina e à hierarquia, princípios fundamentais à profissão militar. Mais um movimento coerente com a conduta do presidente da República e com seu projeto pessoal de poder. A cada dia ele avança mais um passo na erosão das instituições”.
O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, justificou o arquivamento do processo como medida para evitar nova crise com o Palácio do Planalto. Prudência? Ponderação? Provavelmente, ambas. Mas a decisão abriu as porteiras da caserna à politização entre os comandados. Estabeleceu precedentes aos que concordam com a forma de o presidente administrar o país, que, repetidas vezes, referiu-se ao Exército como se fosse dele proprietário, e não o Estado — “o meu Exército”. Provocou insatisfação no Alto-Comando das Forças Armadas, que, desde 1985 — início da redemocratização, após 21 anos de ditadura militar — têm se colocado como guardiãs da democracia.
Não à toa, há um clima de tensão sobre o país. A CPI da Covid exibe à sociedade a negligência do Executivo em relação à imunização dos brasileiros. Os depoimentos de integrantes do governo, de dirigentes de laboratórios e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de especialistas ressaltaram as contradições e os danos causados pelo negacionismo, que ganharam dimensão durante a gestão de Pazuello à frente do Ministério da Saúde.
O país se aproxima de meio milhão de mortos, e o governo age como se esse número absurdo não fizesse a menor diferença. Vem aí a Copa América, quando os hospitais e UTIs estão em colapso e a vacina, em ritmo lento — nem 20% da população estão imunizados com as duas doses da vacina —, novas variantes se alastram, o número de infectados cresce exponencialmente e a média diária de óbitos está em torno de 2 mil.
Acrescentem-se ao caos sanitário, o desemprego recorde (14,8 milhões e mais 6 milhões de desalentados), além dos milhões de famintos. O momento vivenciado pelo Brasil é singularmente delicado. Impõe-se evitar conflitos que acirrem os ânimos e levem a um desfecho ainda mais trágico os destinos da nação. Cautela, bom senso e compromisso com a democracia devem imperar. O que está ruim pode se tornar muito pior.
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