Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Eu vi Garrincha jogar no Maracanã várias vezes. Era aplaudido até pelos torcedores dos outros times. Em 1958, na Suécia, triturou os adversários e colocou Vavá, um mediano centroavante do Vasco e da Seleção, na condição de artilheiro. Ruy Castro afirma que, na partida contra a poderosa União Soviética, com seu futebol científico, naquela Copa, ocorreram os dois minutos mais longos do futebol. No primeiro lance, Didi dá a saída e passa a bola para Garrincha. Ele dribla três ou quatro defensores e solta uma bomba que bate na trave de um atônito Yachin, o goleiro. No minuto seguinte, Didi olha para Garrincha e meio time soviético corre para marcar o ponta direita brasileiro. Então, o fabuloso meia brasileiro, chamado de Príncipe Etíope por Nelson Rodrigues, faz o passe perfeito para Vavá, que estava livre, e marca o primeiro gol. Brasil um a zero em apenas dois minutos de jogo.
Há algum tempo, estava jantando com minha mulher em Nova York e o garçom era sérvio. Ele nos ouviu falando em português e puxou uma conversa comigo. Perguntou quem foi o melhor jogador de todos os tempos. Respondi Pelé. Ele disse “Não. O melhor de todos foi Garrintcha”, carregando no sotaque. “Ele foi o melhor’’. Pois é. Seu nome batiza o estádio nacional construído em Brasília. Um monumento ao desperdício, à corrupção e aos desmandos dos políticos. Foi erguido no governo do PT. Tem a capacidade para receber torcedores idêntica à do Maracanã, numa cidade em que praticamente não há futebol. Agora vai sediar o primeiro jogo da Copa América, que foi rejeitada na Argentina, na Colômbia e desabou no Brasil.
Quantos absurdos cometem em nome de Mané Garrincha. O papel aceita tudo. O discurso do presidente Bolsonaro aos brasileiros no horário nobre na televisão na verdade não foi dele. Foi de um personagem que fingiu ser o presidente que assumiu um papel sério, dedicado, capaz de entregar resultados palpáveis para os nacionais. Uma pessoa diferente, que utilizou um vocabulário correto para defender seus pontos de vista. Não foi verdadeiro, mas isso não se pode cobrar dele porque a verdade passa ao largo de seus pensamentos. Ele vive e opera em mundo próprio. O presidente, que está com popularidade baixíssima, aceitou sediar a Copa América para tentar reverter seu desgaste junto ao eleitorado. Está em busca do prestígio perdido.
O mal está feito. A Copa, se ocorrer, não trará benefícios financeiros ou comerciais às cidades que receberão os jogos. Apenas os hotéis poderão usufruir de melhor movimento por receber as delegações dos 10 países que deverão disputar o certame. Sem estrangeiros e sem torcida local, a roda do comércio vai girar muito pouco. Em compensação, os gastos obrigatórios com segurança, pessoal médico, medidas de distanciamento social para jornalistas nacionais e estrangeiros serão significativos. Ou seja, os brasileiros terão que custear esse exercício de autoridade, destinado somente a aumentar as chances de reeleição. Além de expor a sociedade aos riscos da pandemia, quando os hospitais estão superlotados. Não há vantagem, ganho, ou qualquer benefício. Os riscos, contudo, são imensos.
Em outro plano, os militares assumiram o papel de vassalos do presidente. O comandante do Exército decidiu arquivar o processo contra o general de divisão Eduardo Pazuello, que, diante de todos e das câmeras de televisão, subiu no caminhão de som para discursar ao lado do presidente da República, no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, no último 23 de maio. Foi um comício político. Mas o presidente quer proteger o seu general e o seu Exército contra opositores e os ferozes senadores da CPI da Covid. Rasgou o regulamento disciplinar da força terrestre sem a menor cerimônia. A esta altura dos desmandos presidenciais, não há muito mais o que observar. O presidente entende que ele é o Estado. Como ele gosta de dizer, caso encerrado.
Em apenas dois dias, o presidente avançou muito na sua obra de destruir as instituições nacionais. Decidiu, com fulminante rapidez, receber os jogos da Copa América contra todas as evidências. Pouco depois de nomear Pazuello para a secretaria de assuntos estratégicos, fez a força terrestre ficar de joelhos. O Brasil se transformou numa enorme Macondo, de Gabriel Garcia Marques. Chove sem parar. E lembra Mefisto quando disse a Fausto: “A obra da criação caminha sem vagar para a destruição. Seria melhor que nada fosse criado. Por isso tudo, aquilo que se chama pecado, ou também destruição, ou simplesmente o Mal, constitui meu elemento eleito e natural”. Mefisto na cabeça.
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