OPINIÃO

Artigo: O Brasil e os ilusionistas

Ana Dubeux
postado em 13/06/2021 06:00

A pandemia trouxe um novo entretenimento a certos brasileiros: o ilusionismo. Criar fantasias tornou-se um esporte — sem direito a fairplay. Custo a acreditar que, a essa altura do campeonato, continuamos nos mobilizando para defender o uso da máscara, apenas para citar um exemplo. Basta uma frase sem noção do mandatário maior do país, o presidente da República, para que seja necessária uma nova onda de defesa do acessório como mecanismo eficaz no combate à covid-19. É preciso repetir à exaustão para que a magia das fake news seja combatida com a verdade.

A brincadeira está cansativa. E obviamente a intenção é deixar o playground cheio de inocentes que precisam perder seu tempo repetindo o óbvio. Enquanto nos esforçamos para disseminar o que todo mundo já sabe e conter as mentiras propagadas em série, há movimentos lentos, constantes e profundos em direção ao atraso, muito provavelmente passos estudados.

O que há por trás das insistentes tentativas de propagar fatos que a ciência já desmentiu? O que há por trás da defesa tão árdua de medicamentos para tratamento precoce já considerados inteiramente ineficazes? O que há por trás da insistência em não usar máscara? O que há por trás da demora para a compra de vacinas? Por que, afinal, criar uma ilusão a respeito da covid-19 é tão necessário para alguns políticos?

Você pode compreender essas atitudes como incompetência. Pode citar a ignorância institucional e a falta de educação como razões para acreditar no falso. Mas também pode arriscar sem medo que existe um projeto de poder em curso, com claro viés reacionário e de ultradireita. Porque certamente há — que pena! — muitos brasileiros sedentos por impor um estilo de ser e de viver que nada tem a ver com os valores da democracia. E um político “mito” precisa se alimentar de seus iguais. Não importa o que diga, a voz é o berrante que chama a boiada.

A aposta no negativismo não é apenas uma decisão arriscada ou uma forma de se posicionar perante o mundo. É, sim, uma aposta criminosa, em que se assume o risco de matar por desinformação, entre outros motivos. Enterrar 480 mil pessoas num espaço de tempo tão curto é uma prova inconteste disso. Ser um ilusionista em meio a uma hecatombe não é tirar um coelho da cartola. É contribuir para uma carnificina. Também é contribuir para andarmos em marcha à ré nos valores humanos — respeito às minorias e às diferenças, por exemplo.

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