Assunto que parece nunca despertar interesse nas pessoas, de modo geral, ao contrário do que deveria, é relativo ao trabalho infantil no Brasil. Talvez pela grande ocorrência desse fato, desde sempre, ou a noção que muitos ainda possuem de que na infância dos mais velhos essa era uma prática comum, e vista como inerente à condição econômica de muitas famílias. Também a falsa sentença que diz que “é melhor estar trabalhando do que roubando”, evocada por muitos, quando esse assunto é trazido à baila ou quando se assistem os muitos crimes praticados por menores, não chega, nem perto, de estabelecer uma premissa verdadeira, quando se conhece essa realidade de perto e a fundo.
Somente à guisa de comparação, imagine o leitor que seu filho menor ou neto, de seis, sete anos ou um pouco de mais idade, trabalhando como engraxate na Rodoviária do Plano Piloto, de 8h às 18h, todos os dias, comendo o que encontra naquele local, sujeito a processos diversos de aliciamentos por criminosos, que trafegam livremente naquela estação central, em contato com traficantes e outros menores que o tempo e o desprezo cuidaram de conduzir aos subterrâneos da sociedade.
Em apenas um ano de trabalho naquele local público, as chances desse menor vir a sofrer assédios de rua são imensas, como são raros aqueles que conseguem escapar dessa sina. Qualquer criança, em plena fase de formação cognitiva, exposta a ambiente degradado, onde a luta pela sobrevivência faz fronteira estreita com a marginalidade urbana, é sempre uma presa fácil e mais um a adentrar para o submundo social. Rua nunca foi escola de vida, muito menos nesses tempos sombrios que estamos agora imersos.
Por certo, muitas famílias de baixa renda, apostam nos ganhos diários obtidos por menores de idade para sobreviverem. Mas nem assim é possível considerar o trabalho infantil como uma realidade aceitável. As condições, muitas vezes insalubre e todo o perigo e prejuízos que essa prática traz para nossas crianças, não justificam e isentam esse trabalho precoce.
Escusado lembrar, aqui, que a tão profanada Constituição de 1988, em seu Art. 227, reconhece os direitos das crianças à dignidade. “Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Proibindo ainda o trabalho de pessoas menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz. Também as disposições da Organização Mundial do Trabalho (OIT), órgão da ONU, em sua convenção 138 e 182, ratificados pelo governo brasileiro, proíbe essa prática, bem como o Estatuto da Criança do Adolescente (ECA); a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vedação vista, inclusive, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), observada ainda no Código Penal. Ou seja, um conjunto de leis e diretrizes legais que escandalosamente, não são observadas pelo Poder Público e pela sociedade brasileira, para quem essa é uma realidade invisível.
Desse modo, a nação ao ignorar propositalmente esse fato, passa a ser uma espécie de cúmplice das autoridades nesse crime que compromete o futuro de todos. E pela experiência demonstrada na CPI da Pandemia, os governadores que porventura vierem a pedir verbas para proteger as crianças do trabalho infantil deveriam apresentar projeto de ação com cronograma, contrapartidas e prestação de contas a serem avaliadas e acompanhadas posteriormente pela população e pelos órgãos competentes. Chegou o momento de outra pecha, intermediária até o objetivo final. O Brasil precisa ser um país sério.
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