OPINIÃO

Artigo: Nem retrocesso nem estagnação

Correio Braziliense
postado em 14/06/2021 06:00

Por LUIZ MARIA ESMANHOTO

Auditoria independente para o resultado de eleições é tão essencial para a democracia quanto o próprio ato de votar. Empresas sérias implementam este procedimento para tranquilizar seus dirigentes, acionistas e consumidores. Não torna as empresas mais seguras, apenas acrescenta um ingrediente essencial: transparência aos seus resultados e obrigações legais. O mesmo acontece com as urnas. São seguras! Mas o sistema eleitoral, como está, não prevê auditoria independente, pós-eleições, para todos os votos. É esta ausência que dá margem a campanhas difamatórias contra uma inocente, a urna. Daí a soluções quiméricas é só um tuíte.

Um grupo, liderado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entende que tem a solução para a auditoria: não fazer nada. Pois ela já existiria, conforme procurou-se demonstrar em vídeo minucioso preparado pela instituição. Ali, enumeram-se todas as cautelas de segurança implementadas, algumas reconhecidamente engenhosas. Portanto, na perspectiva da instituição, uma campanha por voto auditável seria inócua. Mas, entre os cuidados mostrados na divulgação, é notável a ausência de auditorias pós-eleições. Não constam, simplesmente, porque não podem ser feitas.

Outro grupo, liderado pelo Congresso, adiantou uma solução, conforme se lê no texto da PEC que começa a tramitar: “...será obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”. Ficou, portanto, explícito que a solução para auditoria de urnas seria garantida pelo registro dos votos em papel. Trata-se de uma conclusão precipitada, sem um olhar mais cuidadoso para o estado da arte em auditorias. Atitudes assim podem apontar uma “solução” que apenas troca o problema. É o que se tem aqui. Uma auditoria poderia ter que conferir milhões de votos em papel. Como seria a auditoria? Manual? Um retrocesso impensável. Teria de ser feita com scanners... auditáveis! Assim, o voto impresso para ser auditável exigirá scanners auditáveis.

É natural que o TSE se posicione a favor de uma solução que prestou bons serviços durante 25 anos. Quando as urnas substituíram os votos em cédula, o Brasil passou a ser exemplo para muitos países. Mas agora está à disposição do eleitor uma inovação tecnológica importante para a auditoria pós-eleições.

Trata-se da tecnologia de gravação de documentos eletrônicos certificados. Todos conhecem um bom exemplo próximo: NF-e. Nas empresas que a utilizam para emissão de suas notas fiscais não existem blocos de NF. E onde reside uma NF-e? Reside de modo indestrutível e sem possibilidade de “rasuras” em dispositivos eletrônicos.

Inspirados nestas propriedades, engenheiros formados no ITA, operando como um think tank do movimento de cidadania Grita!, fizeram esta simples proposição: e se cada voto fosse gravado como Voto-e, de modo análogo à NF-e? Imediatamente, três características seriam incorporadas ao sistema eleitoral: a) ambiente amigável para auditoria pós-eleições; b) possibilidade de uma apuração pública e descentralizada; c) tecnologia de segurança melhor e mais moderna.

A partir deste “ovo de Colombo”, todas as peças do quebra-cabeça da auditoria, antes difíceis de encaixar, tornaram-se dóceis. Esta terceira via para o voto, torna-o naturalmente auditável. Também é um passo importante para se construir o sistema eleitoral brasileiro do futuro, onde o eleitor votará direto pela internet, sem urnas.

A sociedade está mobilizada para o tema da auditabilidade do voto. Pode-se, no momento, dar um salto de qualidade na segurança e, ao mesmo tempo, fazer ajustes para que se atenda a todas as exigências legais. A solução do Voto-e permitirá ao TSE contar com a parceria de dois “ecossistemas” padrão internacional:

1. Sistema de emissão de documentos eletrônicos certificados — várias empresas certificadoras, centros de pesquisa e órgãos do governo convivem com o ambiente de chaves públicas, cuja concatenação está a cargo do ICP Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas); 2. Serviços de auditoria independente — diversos órgãos do próprio governo e muitas empresas do setor privado têm know-how acumulado neste tópico; mas sua experiência ao longo da vida da urna não foi incorporada em sua plenitude pelo TSE.

Interessante notar que o Voto-e será a fonte de informações para as organizações auditoras. Hoje, com a “solução” do voto em papel, elas são pouco lembradas. Chega-se, então, à questão fundamental: para que o voto seja auditável, não é necessário que seja impresso, mas é essencial que empresas auditoras sejam consultadas no projeto das urnas. O que acontecerá com toda a mise-en-scène em torno do voto impresso se os auditores disserem mais adiante que não precisam dele? E aí, como explicar os bilhões gastos para equipar as urnas com impressoras? E como reparar o impacto ambiental causado pelo consumo desnecessário de papel?

Campanhas pelo voto impresso onde é apresentado como equivalente a voto auditável são um desserviço aos eleitores. Estranhamente, é o que determina a PEC ao propor que os votos sejam impressos “para fins de auditoria” — uma prescrição de remédio sem eficácia garantida, nem referência fundamentada. Importante lembrar também um item ausente na PEC: o processo de totalização, certamente o mais visado por eventuais fraudadores. Descentralizá-lo pode ser uma boa prática. Fato é, que neste procedimento, não tem papel para o papel...

Como engenheiros, ligados afetivamente ou profissionalmente à indústria aeronáutica, o grupo que propõe o Voto-e, recentemente, viveu um trauma coletivo. Um acontecimento inimaginável: em curto espaço de tempo, dois acidentes ocorridos com um dos modelos mais modernos da Boeing fez 346 vítimas fatais. Paralisou seus negócios a ponto de a Boeing desistir de importantes obrigações, uma delas com a Embraer. A causa raiz dos acidentes? A aprovação de um novo sensor para a segurança de voo foi feita com ingerência da própria Boeing. Algo completamente fora das normas! Quem fabrica aviões não os autoriza a voar.

O processo eleitoral é a aeronave que conduz democracias ao seu destino histórico. Como ensina a tragédia da Boeing, será prudente que se inclua uma auditoria eleitoral independente, em consideração a todos os cidadãos e pela estabilidade de nossas instituições. Quem coordena uma eleição não deve, em hipótese alguma, ser responsável por certificar equipamentos a serem usados, nem fiscalizar incidentes durante o evento, e muito menos auditar resultados após as eleições.

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