No mesmo instante em que o chefe do Executivo, na figura do seu presidente, resolve, por questões decorrentes do chamado presidencialismo de coalizão, interferir nas eleições que apontarão os nomes dos futuros dirigentes, nas duas Casas do Congresso, a Constituição de 1988, em seu Art. 2º, relativa ao princípio da separação dos Poderes da União, deixa de ser respeitada, uma vez que a independência e a harmonia dos Poderes entre si, tão desejada pelos elaboradores da Carta, passa a ser deixada de lado ou simplesmente ignorada.
De fato, é isso que vem ocorrendo e que se coloca como uma das raízes a gerarem crises institucionais cíclicas e permanentes. Em outra ação de interferência, mas dessa vez com o aval da própria Constituição, o chefe do Executivo escolhe o nome que irá compor o quadro de ministros do Supremo, gerando, quer queira ou não, mais uma fonte de crise institucional. Ocorre que quando esse nome não carrega o estofo do notório saber jurídico e da ilibada reputação, exigidos como pré-requisito para a função, mais uma vez a Carta é posta de lado.
Em todo o caso, esse modelo é sempre de interferência e gerador de crises sistêmicas. No caso do Poder Judiciário, quando a coloração político-partidário migra do Executivo para as altas cortes, a harmonia entre os Poderes passa a ser feita na base da “similaridade ideológica”, o que é péssimo para a República. É o que temos visto nesses últimos anos e que, surpreendentemente acaba por abalar, de igual modo a credibilidade de todos os três Poderes.
Quando iluministas como Montesquieu e outros, no século 18, por meio do Espírito das Leis propôs a divisão tripartite dos Poderes do Estado, o que se tinha em mente era justamente frear os desmandos e o excessivo controle dos monarcas no regime absolutista. É justamente o que, assistimos hoje, com outras roupagens mais hodiernas, mas com os mesmos resultados.
Trata-se aqui de um modelo herdado do Brasil Império e que deu certa preponderância e hipertrofia ao Poder Executivo em relação aos demais, embora se saiba que desde 1889 tem sido o principal gerador de crises. Não é uma questão fácil de resolver, sobretudo porque não parece haver, entre aqueles que teriam o poder de modificar esse modelo, vontade para tanto. Talvez nem mesmo o esclarecimento maior sobre o assunto e sua importância para o país. Pode até não parecer, mas é graças a esse modelo enviesado que as mais absurdas medidas são adotadas sem que haja reação ou uma espécie de contrapeso capaz de freá-la ou amenizar seus efeitos.
O afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa, conforme é desejo de muitos parlamentares e que, agora, parece que será aprovada na Câmara dos Deputados, é um desses efeitos tangenciais e negativos do modelo de interferência de um Poder sobre o outro, que permite que medidas já condenadas pelos cidadãos e pela ética, sigamadiante, sem maiores atropelos ou contestações, já que parece embutido no acordo que levou ao apoio ao nome do atual presidente da Câmara pelo presidente da República.
Mesmo que os órgãos de controle e de investigação enxerguem nessa proposta um enorme prejuízo ao combate à corrupção, não existe a tal independência e personalidade, de fato, entre os Poderes, para que medidas dessa natureza, sejam atalhadas. Sem essa personalidade firme de cada Poder, que é dado apenas pela independência, a harmonia acaba transformando esses Poderes, num sistema amorfo, miscigenado e sem propósito. É o sistema.
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