OPINIÃO

Artigo: Educação igualitária é a vacina contra a ignorância

Correio Braziliense
postado em 24/06/2021 06:00
 (crédito: editoria de ilustração)
(crédito: editoria de ilustração)

Por DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR — Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, ex-presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec) - Email: dicamposjr@gmail.com

A ignorância pode e deve ser classificada como uma modalidade de doença mental. É uma das mais graves nas suas manifestações psicossociais, como atraso, falas agressivas, verborragia, violência, entre várias outras. Expande-se mundo afora como se fosse uma pandemia. Sua propagação não se dá apenas por aglomerações, mas sobretudo pelas tecnologias de comunicação, tais como televisão, cinema, computadores, celulares e redes sociais. É um tipo de morbidade cuja solução não é terapêutica medicamentosa. Requer, única e exclusivamente, ações preventivas coerentes com a sua natureza etiológica. Já ao longo dos séculos, foi identificado e produzido um sistema imunizante correlacionado. Os países que investiram nesse plano preventivo da ignorância obtiveram elevado êxito. Por isso, seus resultados são exemplos equivalentes aos testes que revelam a eficácia de uma vacina.

A doença mental acima mencionada não tem prevalência restrita às classes sociais pobres e segregadas. Acomete, também, membros das elites dominantes, que se acham dotados de nível superior de inteligência e poder. Está solidamente comprovado que a forma eficaz de se reduzir o impacto da ignorância é a sua prevenção. Não por outro motivo, a vacina a ser utilizada chama-se educação igualitária e de qualidade.

Um conceito comparativo entre a referida doença mental e a atual pandemia do coronavírus está bem claro em nosso país. Quanto mais lenta for a iniciativa de imunização populacional, mais alto será o índice de mortalidade e de sequelas provocadas pela covid-19. É o mesmo que tem ocorrido com a pandemia da ignorância. Em grande número de países, sua prevenção é desprezada, lenta, ou até mesmo ausente. Ao contrário, deveria ser respeitada como direito sagrado da humanidade. Por isso, é injusto restringi-la às elites dominantes.

Com efeito, o mérito da educação igualitária e qualificada é um avanço que não pode ser negado a nenhum membro da sociedade humana, mormente na fase da infância que é, sem dúvida, o alicerce insubstituível da cidadania. Portanto, para nos livrarmos da ignorância de todos e de cada um, deve ser cultivado, como prioridade absoluta, o investimento na educação básica, com ênfase na fase de formação do cérebro do indivíduo, que ocorre nos seis primeiros anos da sua infância.

É, sem dúvida alguma, a forma mais humana e adequada de acolhermos as novas gerações, assegurando-lhes todo afeto, aconchego, ternura e amor que são os ingredientes indispensáveis à formação sublime de sua personalidade. Só assim poderemos assegurar a construção adequada do alicerce dos futuros cidadãos e projetar, efetivamente, uma sociedade brasileira civilizada, pacífica, altruísta e voltada para a promoção abrangente do humanismo. Será um horizonte capaz de unificar todas as camadas sociais e erradicar as desigualdades gigantescas que, infelizmente, caracterizam cada vez mais o nosso país.

Torna-se, pois, bem claro que a ignorância é resultado da falta de educação. Logo, quanto mais elevada a sua incidência, mais grave será a estrutura da sociedade, condenada a sobreviver à violência de toda e qualquer natureza. Exemplos bem evidentes da veracidade dos argumentos ora desenvolvidos são os discursos que mencionam, de maneira improcedente, que vivemos num país democrático. Não se pode falar em democracia numa sociedade caracterizada pela ignorância de grande número de sua população, bem como de boa parte dos líderes que a representam. Ademais, deificar arma de fogo como símbolo da defesa contra a violência é ignorar a sabedoria do que foi enfatizado por Jesus Cristo: “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Nada mais demonstrativo de que os portadores da citada doença mental revelam sinais e sintomas que são inconfundíveis.

Não há dúvida de que a tragédia da pandemia atual do coronavírus será progressivamente revertida no Planeta, mormente nos países em que o índice da ignorância é menor. A etapa seguinte está claramente prevista. Será a superação dos distúrbios mentais desencadeados como consequências do cenário infernal das quarentenas, isolamentos sociais e outras medidas sanitárias que são indispensáveis. Contudo, a ignorância já era reinante muito antes do início da pandemia atual do vírus. Certamente, foi agravada, nas suas manifestações, por mecanismos que acentuam uma moléstia mental. Assim, os países que a deixaram progredir amplamente sem qualquer medida preventiva, pagarão um preço bem mais caro para enfrentá-la. Em suma, a vacina contra a ignorância é a educação.

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