Por LUIZ FERNANDO QUAGLIO — Especialista em ESG da Veedha Investimentos
No comando do Ministério do Meio Ambiente desde 2019, a gestão de Ricardo Salles foi marcada por índices recordes de desmatamento, desmonte de órgãos fiscalizadores, falas desastrosas e uma atuação digna de lobista profissional. Alvo de investigações pela Policia Federal por suspeita de enriquecimento ilícito a partir de negócios com empresas envolvidas em extração ilegal de madeira, o mais danoso ministro do Meio Ambiente da história do Brasil pediu demissão. Porém alguns fatores são centrais para a compreensão do porquê de sua queda neste exato momento.
A forte pressão internacional sobre o tema ambiental se abateu sobre o governo após eleição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Internamente, a fala de posse, em abril, do chanceler Carlos Alberto Franco França, e a recente sinalização do ministro da Economia, Paulo Guedes, para uma “retomada verde”, indicam uma recondução do alinhamento com os EUA que se apressa em colocar o Brasil nos trilhos e responder ao mundo como um “dissuasor” global no tema. É simbólico sinalizar que a Amazônia está protegida; que políticas outrora implementadas por Salles não terão mais espaço, ao passo que o governo norte-americano, agora “green”, exerce influência sobre o Brasil nesta segunda etapa de disputa comercial com chineses.
O período Salles também sempre reverberou no agronegócio exportador nacional, colocando-o como vilão para o mundo. Com a queda, há uma sinalização na direção de realinhar as políticas socioambientais brasileiras. Uma tentativa de resgate da imagem do país no exterior e mitigação de possíveis perdas de investimentos num momento crucial de recuperação econômica. Dado o cenário, uma tarefa complexa para o governo que atuou diretamente para a construção dessa imagem até aqui. No entanto, um desinvestimento do capital internacional em setores expostos a riscos ambientais, neste momento, seria mortal para a economia brasileira e um estrago ainda maior na popularidade do presidente Jair Bolsonaro a menos de um ano e meio das eleições.
Nesse xadrez político, a postura de Bolsonaro em relação a Ricardo Salles sempre foi de alinhamento pleno. Mesmo sob forte pressão, os pedidos de saída do ministro contrariavam o presidente, que o assegurou no cargo ao longo de dois anos e meio, mesmo em meio às maiores crises ambientais brasileiras. Do desmatamento recorde na Amazônia e no Pantanal ao derramamento de óleo no litoral em 2019, denúncias de ocupação em áreas de preservação, até mesmo o fatídico episódio de reunião ministerial em abril de 2020.
Em parte, o apoio irrestrito explica-se pela submissão de Salles ao atender aos interesses de setores que apoiam abertamente o governo e que, ao mesmo tempo, têm interesses específicos que variam entre alterações de leis de preservação e conservação, esvaziamento de órgãos fiscalizadores, produção e ocupação de terras indígenas, entre muitas outras agendas que vão na contramão de conquistas socioambientais históricas. No entanto, na atual conjuntura, a queda do ministro deriva de uma estratégia de minimizar danos futuros à sua candidatura. No mais, o pedido de demissão neste momento tem — para além de mudança de foco político em meio à CPI da Covid e escândalos de corrupção recentes referentes a operações de compra de vacina superfaturada — cheiro e cor de cálculo eleitoral.
O novo ministro anunciado, Joaquim Álvaro Pereira Leite, estava à frente da Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais, foi secretário de Florestas e Desenvolvimento Sustentável e diretor do Departamento Florestal. Ex-conselheiro da Sociedade Rural Brasileira, tem forte relação com a Frente Parlamentar da Agropecuária e elogiou publicamente, à época, o “passar a boiada” de Salles, o que pressupõe que guinadas radicais em direção a um projeto socioambiental consistente são improváveis. É possível que se vejam breves demonstrações e anúncios de curto prazo, mas nada estrutural. Há interesses de diversos setores que se sobrepõem, e o novo ministro não ficará isento de acomodá-los — pelo contrário.
Em aberto, ficam diversos questionamentos: como serão reestruturados os órgãos ambientais e de fiscalização do país? Quando será traçado um plano estratégico para atingimento da meta de neutralização de carbono até 2050 anunciada na Cúpula do Clima em março? Como fica a transição energética sob uma matriz limpa e renovável? Quando haverá engajamento em torno de uma política econômica da “floresta em pé”? E uma reestruturação institucional do “Enforcement” do Estado brasileiro para mitigar iniciativas predatórias no campo? E o PL 490, mais um retrocesso histórico aos povos indígenas e uma ameaça real em áreas de conservação?! E o debate profundo sobre uma regulação que atenda as demandas de um mercado responsável?
É fundamental que se acompanhe os próximos passos de atuação da nova gestão e se verifique como serão endereçadas questões centrais na agenda do país que, neste momento, passam pelo Ministério do Meio Ambiente. A saída de Salles é um prefácio de uma queda precificada. No presente, o reforço de que em questões socioambientais a materialização é infinitamente mais eficaz que a retórica. Para o futuro, quem segurará a boiada?
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