O chilique do presidente Jair Bolsonaro contra a jornalista Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, em coletiva realizada em Guaratinguetá (São Paulo), remeteu-me imediatamente à clássica cena do filme A queda! As últimas horas de Hitler, em que o ditador, já encurralado, explode numa catarse de ira e devaneio diante dos estertores do seu regime e da sua captura iminente. Bolsonaro está acuado e reage com a única ferramenta que aprendeu para lidar diante da realidade inconteste: a negação. Soma-se a isso a grosseria, o machismo e o desprezo pela imprensa e seu papel de inquirir e informar o público, doa a quem doer. Destemperado e aos berros, Bolsonaro prova, mais uma vez, não estar à altura do cargo que exerce.
Diante do derretimento da popularidade e do fiasco de sua gestão, volta-se ainda mais para dentro de sua bolha, onde, é bom que se diga, sempre esteve. Bolsonaro nunca assumiu a Presidência da República. Governou apenas para os seus eleitores, para uma fração de brasileiros, e compôs a equipe tão somente com os que lhe são submissos.
Como líder de governo, superpõe sua imagem à do Estado, como se pudesse personificá-lo e, sob a égide do triunfo da vontade, ignora solenemente as instituições e a Constituição, desonra o glorioso Exército Brasileiro ao reduzi-lo à sua guarda pretoriana, humilha os servidores públicos que sustentam desde sempre a nação. Ensaia um bonapartismo digital que se enfraquece e esfarela em dispersão e descrédito a cada dia. E é isso o que o incomoda.
Não tolera a discordância, porque nunca aprendeu a debater e argumentar. Seu ímpeto tirânico é um disfarce para tentar esconder a fragilidade de um ego doente e infantilizado. É um anti-líder, mesquinho, medíocre de alma vazia e que merece ir para a lata de lixo da história. Em breve, sem a caneta na mão, será apenas uma caricatura, dimensão simbólica que lhe cabe. Um constrangimento e uma vergonha cívica eterna e insanável, assim como o fascismo para alguns europeus. No entanto, enquanto estiver de posse das prerrogativas que a democracia — sua principal inimiga — o empresta, significa uma ameaça latente e constante para todos nós e para o futuro do país.
Ao perceber a popularidade esvaindo pelos dedos, em resposta, dobra a aposta e incorpora uma versão ainda mais tacanha e obtusa, subjugando profissionais de imprensa no exercício do trabalho, sobretudo, as mulheres, dando vazão às indisfarçáveis misoginia e truculência. Bolsonaro autoriza, com seu tacape verbal, o séquito a avançar sobre a última fronteira que ainda restava entre barbárie e civilização. É desse brado que vocifera contra a imprensa livre que também ecoam as ameaças ao artista Tico Santa Cruz.
É dessa repugnante manifestação de ódio, partindo de alguém investido de institucionalidade que reverbera a autorização cada vez menos tácita e mais explícita de que está aberta a temporada do vale-tudo, ao arrepio da lei, da ordem e da tolerância ao livre pensamento, expressão e informação. É da ode diária à ignorância que as crianças dessa geração crescerão com a ideia de que uma mensagem viralizada no WhatsApp merece o mesmo valor e crédito que o texto do livro que elas estudam na escola. É desse desdém pela verdade e pela ciência, ostentado com orgulho burlesco, que jazem mortos mais de 500 mil brasileiros.
Da omissão de um presidente que levou para o campo ideológico questões de saúde pública, ignorando, reiteradas vezes, as ofertas de vacina em tempo hábil, que derivou o luto de centenas de milhares de famílias e a bancarrota da nossa economia. Este governo institucionalizou a mentira. A disputa de narrativa e as fake news foram alçadas ao centro do debate público. E as políticas públicas estruturantes ficaram relegadas a segundo plano. Enquanto isso, as falências e o desemprego disparam.
A equipe ministerial não faz a menor ideia do que são prioridades. Na educação, por exemplo, a volta às aulas com segurança de centenas de milhares de alunos, que deveria ser o principal foco de atuação, é substituída pelo homeschooling, projeto de ensino domiciliar que, no máximo, atingirá 15 mil famílias. Não há um plano, não há um norte, não há sequer o luto e a solidariedade sincera de um presidente diante da maior tragédia coletiva que já vivemos. Só o que há é a esperança de resistência e mudança. Cabe a todos aqueles que têm compromisso com a imprensa livre, com a democracia, com a pátria e com o avanço civilizatório juntarem-se em uma corrente de enfrentamento ao arbítrio, ao desalento e a este governo sombrio. O que nos une é muito maior do que o que nos separa. E o que nos une agora é o amor pelo Brasil.
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