Essencial para o Brasil alcançar o tão sonhado crescimento econômico, a reforma tributária precisa finalmente sair do campo das propostas e promessas. Só assim será possível estabelecer as condições sustentáveis para a geração de emprego e renda. Agravado por meses seguidos de pandemia, o desemprego assola 14 milhões de brasileiros, o que confere, mais do que nunca, um sentido de urgência a essa importante reforma.
O baixo crescimento brasileiro perpetua-se no nível máximo da carga tributária suportada, resultado da total falência do nosso sistema tributário. Um sistema tributário que figura entre os mais complexos do mundo, que peca pela cumulatividade, onerando a produção de bens e serviços e gerando insegurança jurídica, objeto de gigantesco contencioso em nossos tribunais administrativos e judiciais.
Em 2020, a carga tributária bruta representou 31,64% do Produto Interno Bruto (PIB), ligeira redução em relação a 2019 (32,52%), influenciada pela fraqueza do PIB, resultado da covid-19, que castigou a economia global. A necessidade voraz de arrecadação decorre da exagerada ineficiência da máquina pública, originando cada vez mais rombos nas contas públicas que são cobertos com aumento dos tributos.
Diante dessas históricas distorções, a dívida bruta do setor público — uma das principais formas de comparação internacional — avançou em 2020 para 89,3% do PIB. É o maior percentual da série do Banco Central, situação que se reflete nos juros pagos para o seu financiamento, reduzindo sensivelmente os investimentos e elevando a taxa de juros cobrada dos tomadores em geral. Para melhorar o ambiente de negócios e reduzir as desigualdades, é urgente assegurar um modelo tributário desapegado de tudo que existe hoje, um modelo que contemple princípios básicos.
O primeiro deles é o princípio da neutralidade, em que os tributos devem ser aplicados, minimizando sua interferência na decisão dos agentes econômicos, como forma de evitar a criação de assimetrias competitivas em diferentes mercados. O princípio da equidade visa criar uma distribuição mais justa dos recursos na sociedade, sem ônus excessivo entre os indivíduos. Pelo princípio da progressividade, a tributação deve se elevar de acordo com a capacidade da renda, para a obtenção de maior equidade entre os contribuintes. E, finalmente, há o princípio da simplicidade, tanto pelo ente público como privado, em que se deve buscar a facilidade e a simplicidade na arrecadação — e, ao mesmo tempo, não impor maior custo fiscalizatório por parte da máquina pública — e a facilidade do entendimento e a redução da multiplicidade de tributos, razão da complexidade regulatória hoje imposta a toda a sociedade.
A Comissão Mista do Congresso, que analisou as Propostas de Emenda Constitucional (PEC), que tratam do tema, buscou unificar cinco tributos, apresentando a seguinte justificativa em seu relatório: “para modernizar e simplificar o sistema tributário, dar mais transparência aos cidadãos sobre o quanto lhes é cobrado a título de impostos, combater a regressividade tributária, findar a guerra fiscal e garantir aos entes tributantes a receita necessária ao desempenho de seu papel constitucional, com o estabelecimento de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), complementado pelo Imposto Seletivo”. O IBS teria o mesmo papel do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), modelo adotado em mais de 150 países e recomendado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como forma de reduzir as desigualdades.
A perda de competitividade da economia tem se agravado, como revela o ranking Doing Business 2020, do Banco Mundial, que mede a facilidade de fazer negócios. O Brasil desceu para a 124ª posição no último relatório, de um total de 190 países avaliados. Nos demais tópicos, o país também amarga posições pouco invejáveis: 138ª em processos de abertura de empresas; 104ª na obtenção de crédito; 184ª em processo de pagamento de impostos e 77ª posição no processo de resolução de insolvência. O ranking retrata a dificuldade de sobrevivência das empresas e dos investidores nacionais e, sobretudo, os estrangeiros, para a consecução de negócios.
A reforma tributária é imperativa para retomar a curva de crescimento e ampliar a oferta de crédito, pavimentando o caminho para um ciclo virtuoso. No Brasil, o crédito tem uma participação de 54,2% em relação ao PIB, fatia pequena ante a média dos países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 147%. Todas essas distorções estruturais provocam uma redução expressiva dos investimentos necessários para o país alcançar um crescimento econômico consistente. A insuficiência de investimentos para a expansão da atividade fica evidente quando se olha a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), calculada pelo IBGE, que ficou em 16,4% em 2020.
A tramitação das PECs no Congresso deve atender os princípios e as condições citadas acima, sem o que, novamente, perde-se a oportunidade de buscar soluções perenes para o crescimento da economia. Não se deve apenas aglutinar tributos e manter a carga tributária como é hoje, sem eliminar os efeitos e distorções que provocam as assimetrias e alocações ineficientes, tanto para as pessoas como para as empresas.
O sistema financeiro nacional tem muito a contribuir para o incremento do crédito, proporcionando as condições para acelerar o crescimento econômico. Para que o setor financeiro possa cumprir plenamente seu papel de oferecer crédito, a reforma tributária deve remover as distorções que impactam na formação do spread bancário, limitando a tributação com base exclusivamente nos serviços financeiros, aqueles remunerados por tarifas e comissões. É o momento de revermos a tributação sobre a intermediação financeira, que aumenta o custo do crédito, onera o tomador e reflete um modelo que não é adotado pela maioria dos países que já implantaram o IVA, que aqui será denominado IBS. Governantes e congressistas vêm e vão ao longo do tempo, mas o Estado permanece. É de interesse do Estado rever o sistema tributário. O Brasil que queremos ainda é possível.
*Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (ABEL) e vice-presidente da Federação Latinoamericana de Leasing (Felalease).
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