OPINIÃO

Artigo — O novo IVA brasileiro: as aparências enganam

Por PAULO ROBERTO FELDMANN — Professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) ARISTÓTELES MOREIRA FILHO — Doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP)

O Congresso recebeu do Poder Executivo, no segundo semestre de 2020, o Projeto de Lei nº 3.887/2020, que pretende instituir a Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). O projeto volta a ser cogitado agora porque o parlamento retomou a discussão sobre a reforma tributária. No entanto, é preocupante que não haja uma discussão ampla sobre esse projeto de lei, pois o impacto sobre o universo das 9 milhões de micro e pequenas empresas será enorme e devastador.

A CBS é um imposto diferente do que estamos acostumados no Brasil. Ele não é cumulativo, e, portanto, bem diferente do PIS/Pasep e do Cofins, que são cumulativos. A CBS vai estar presente em todas as etapas das diversas cadeias de valor, mas ela só incide sobre o valor agregado em cada etapa. Por essa razão, muitos acham que ela deveria ser denominada de IVA — Imposto sobre o Valor Adicionado, como faz a maioria dos países onde ela existe. Desta forma, ela terá uma alíquota única de 12 %. Será um tributo federal que vai substituir o PIS e a Cofins.

De imediato, ela acaba com uma das principais causas de litígios judiciais e incerteza jurídica, que é a cumulatividade dos impostos federais. A outra grande vantagem da proposta é que ela veda a inclusão do ICMS e do ISS na sua base de cálculo, isto porque o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) havia determinado a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Mas, na forma como será instituída, ela traz sérios problemas, principalmente para as pequenas e microempresas, pois elas hoje estão submetidas à alíquota de 3,65% de PIS e Cofins e passarão a se sujeitar, sob a CBS, ao percentual de 12%. Diante desse cenário, existe a expectativa de que boa parte das empresas pequenas e médias que estão no lucro presumido migrem para o regime do Simples Nacional. Acontece que o regime do Simples Nacional vai contra os métodos ordinários de tributação da renda — baseada no lucro — e de tributação do consumo — baseada no valor acrescido.

Os regimes simplificados, como o Simples Nacional, não implicam uma redução da carga tributária. Tanto isso é verdade que 45% das novas empresas brasileiras não sobrevivem aos primeiros três anos de vida, mortalidade para a qual a tributação sobre a receita bruta decerto contribui, mesmo ele sendo calculado sob alíquotas reduzidas.

Desde 2013 até 2018, a proporção de empresas optantes pelo lucro real, que já era pequena, reduziu-se ainda mais, de 3,15% para 1,38%. Estudos demonstram que as empresas tendem a conter artificialmente seus níveis de atividade para usufruir de tratamentos fiscais diferenciados, definidos por tetos de receita bruta. É de se esperar que empresas que estão hoje no lucro presumido, correspondentes a 7,20% dos CNPJs ativos no país, migrem para o Simples Nacional com o objetivo de escapar ao regime da CBS.

A questão que se põe, portanto, é se faz sentido uma reforma da tributação indireta para implantar o regime do IVA, tido como estado da arte mundial, para apenas 2% das empresas brasileiras. As micro e pequenas representam 99% das empresas ativas e são responsáveis por 52% dos empregos gerados no país. Sua heterogeneidade e sua dinâmica significam que, entre elas, há empresas inovadoras que pautarão o futuro da economia. Atingidas por falhas de mercado no financiamento e no custo desproporcional da burocracia, as empresas micro e pequenas usufruem na prática internacional de um conjunto de medidas para compensar tais adversidades, a exemplo de contabilidade simplificada, regime de fluxo de caixa para o IR e para o IVA, mecanismos facilitados de compensação de prejuízos e restituição.

No Brasil, o mito do benefício fiscal do Simples Nacional se tornou um refúgio oneroso para os contribuintes que tentam evadir-se dos problemas do sistema tributário e cria um problema adicional que muitos chamam de “complexo de Peter Pan”, ou seja, a pequena empresa brasileira, muitas vezes, não quer crescer para não perder as regalias do Simples.

Fala-se muito da baixa produtividade das empresas de nosso país e, nessa hora, temos que lembrar que a maior parte delas é constituída por pequenas ou micro que justamente não querem crescer. Ao não crescer, deixam de contar com os benefícios da economia de escala, o grande fator impulsionador da produtividade. O Congresso tem um assunto extremamente delicado em suas mãos, pois a aparência de modernidade da CBS poderá tornar ainda mais difícil a vida de quase 9 milhões de empresas brasileiras. As aparências enganam.