A Constituição Cidadã de 1988 reconheceu as comunidades indígenas como povos originários do país e donos das terras que tradicionalmente ocupam e que eram espaço de vida dos seus ancestrais. Estabeleceu ainda prazo de cinco anos para que todos os territórios fossem demarcados. O mesmo prazo fixado pela Carta Magna anterior, escrita pelo regime militar, que também não foi cumprido.
Desde então, os sucessivos governos ignoraram os mandamentos constitucionais. Foram negligentes e desidrataram o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), criada para defender os direitos das populações indígenas. Hoje, o país se depara com grave e séria agressão às populações nativas. O Projeto de Lei 490, aprovado pela Câmara dos Deputados, ainda a ser apreciado pelo Senado Federal, escancara as fronteiras das terras indígenas a todos e quaisquer intrusos, autorizados a explorar as riquezas naturais, sem que os ocupantes sejam ouvidos previamente, como determina a Constituição.
O PL 490 estabelece como marco temporal a promulgação da Constituição — 5 de outubro de 1988. Ignora o fato de os governos não terem cumprido a determinação da Carta Magna, de delimitar os territórios indígenas, seja porque não quiseram, seja pelos empecilhos impostos pelos tradicionais adversários dos índios, com assento dentro do Congresso Nacional, efeito do racismo estrutural e da depreciação de etnias que não se incorporaram aos hábitos e ditames da hegemonia eurocentrista. O PL retira da Funai funções de identificação e demarcação das terras ocupadas pelas comunidades e de proteção aos povos isolados, que habitam espaços não delimitados por decreto, como exige o regramento legal vigente.
A decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) está alinhada com o pensamento do governo Bolsonaro. Antes mesmo de chegar à Presidência da República, ele anunciou que não demarcaria nenhuma terra indígena e prometia abrir as reservas a mineradores. O PL 490 é passo decisivo, caso seja aprovado pelo Senado, para que a promessa se cumpra, com todos os danos humanos e ambientais que se seguirão.
Hoje, o Brasil tem sua imagem comprometida pela antipolítica ambiental em curso, com elevados e crescentes índices de desmatamento, queimadas, invasões de terras indígenas, maus-tratos às comunidades tradicionais (quilombolas, seringueiros e outros povos da floresta), apartadas de quaisquer políticas sociais. Os índios, seja no Brasil ou fora dele, são reconhecidos como guardiões dos recursos naturais — flora, fauna e água.
Os impactos das ações antrópicas ocorridas nos últimos dois anos excluíram o país da agenda das nações comprometidas com o meio ambiente. Se, hoje, a imagem do Brasil está trincada pelos danos ambientais, agora corre o risco de ser esfacelada com a abertura das porteiras à invasão dos não índios nos territórios indígenas. Impõe-se aos senadores, com bom senso e respeito à Constituição, ouvir os povos indígenas e rever as mudanças para que os seus direitos, conquistados em 1988, não sejam solapados.
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