
Por PAULO JÓZIMO S. T. CUNHA — Advogado especialista em direito tributário, fundador do canal “Descomplica meu Imposto” , professor do Centro Universitário Estácio, sócio do escritório Collares Cunha Advogados
O ministro Paulo Guedes tem dado sinais claros de que o governo federal vai optar por um modelo fatiado de Reforma Tributária. Entre as expectativas mais polêmicas, está a recriação da tributação de dividendos pagos pela pessoa jurídica aos sócios. Para o Governo Federal, essa possibilidade gera uma noção de justiça social tributária. No entanto, a medida não vai encerrar a noção de que os mais pobres pagam mais tributos que os mais ricos, mas desestimular o investimento externo, reduzir empregos formais e aumentar a carga tributária, além de favorecer a concentração de rendas na pessoa jurídica, a utilização de artifícios para “camuflar” a entrega de dividendos e a realização de planejamentos tributários elisivos e evasivos, que desencadearão no aumento do contencioso administrativo e judicial entre Fisco e contribuintes.
Outro ponto sensível na proposta é a bitributação, uma vez que, tributar a pessoa jurídica à alíquota de 35% equivale a “antecipar” o encargo tributário gerado no momento da distribuição aos sócios. Portanto, não haveria amparo legal e não faria sentido tributá-la novamente. Não vejo melhor sorte no argumento de que o lucro tributado é menor que o lucro efetivo, tendo em vista que a base de cálculo do IRPJ pode ser reduzida face às deduções legais previstas. Os defensores desta tese esquecem que o lucro distribuído é resultado do abatimento de custos, entre eles o IRPJ, mas, também, o PIS e COFINS, que incidem sobre o faturamento bruto. Logo, nem assim se afasta o receio de dupla tributação.
O governo também demonstrou interesse em limitar despesas com saúde e encerrar a dedução da despesa com educação. Caso isso ocorra, presenciaremos o alargamento da base de cálculo do IRPF, que, aliado a esta “nova” forma de tributação do IR, com tributação de dividendos, aumentará, em muito, a carga tributária sobre a pessoa física.
A tributação de dividendos não é nenhuma novidade, tendo ultimamente sido pauta em diversos outros países. Desses, alguns adotam o sistema de tributação do lucro distribuído e outros mantém um sistema similar ao brasileiro, tributando integralmente a renda da empresa.
Em abril do ano passado, a “Tax Foundation” divulgou um levantamento em que mapeou as alíquotas de tributação de dividendos nos países europeus membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): (i) Irlanda, 51%; (ii) Dinamarca, 42%; (iii) Grã-Bretanha, 38,1%; (iv) Espanha, 23%; (v) Polônia, 19%; e, (vi) Eslováquia, 7%.
O que esses países têm em comum? Todos possuem cargas tributárias baixas na pessoa jurídica (entre 15% e 20%), bem como no consumo. Ocorre que tal realidade não se aplica ao Brasil, que possui uma das cargas tributárias mais altas do mundo na pessoa jurídica. No modelo brasileiro atual, o estado tributa as empresas em cerca de 35% por mês, isentando os lucros e dividendos distribuídos aos sócios.
Por isso, o governo erra ao afirmar que a tributação de dividendos poderá favorecer a distribuição de rendas. Dados do SEBRAE apontam que 99% das empresas brasileiras são micro ou pequenas, e que respondem por 52% dos empregos formais do país. Logo, a isenção do art. 10, da Lei nº. 9249/1996, é um verdadeiro estímulo à realização de negócios formalizados, que beneficia a todos os contribuintes, e não apenas a um setor específico.
Mesmo que a maior parte dos países adote a tributação sobre dividendos distribuídos, esta possibilidade, aqui no Brasil, deve ser encampada por uma série de medidas que visem a redução da carga tributária na pessoa jurídica. Levar adiante este debate em meio a uma pandemia e sob o discurso de que é necessário aumentar as fontes de receitas do Estado para cumprir as despesas extraordinárias causadas pela “Covid-19” é temerário, porque visa a transferir ao contribuinte o “ressarcimento” ao Estado de tais despesas não previstas no orçamento.
Para o governo federal, a solução mais vantajosa e que vai ao encontro da chamada “justiça social tributária” é a correção da tabela progressiva do IRPF, que respeita e caminha ao lado de princípios basilares do direito tributário, como a capacidade contributiva. E para realizar tal solução, não é necessária qualquer reforma no sistema tributário. Portanto, tratar de tributação de dividendos sem falar em redução de carga tributária na pessoa jurídica, ou ainda sem falar de redução de encargos no consumo é o mesmo que falar em aumento de carga tributária efetiva ao contribuinte.
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