Desde 1960

Visto, lido e ouvido — Para além do vírus

Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
postado em 02/07/2021 06:00

Tivessem juízo os legisladores, com aqueles que cuidam de fazer respeitar e proteger as linhas tortas de nosso universo infinito de leis, cuidariam de providenciar e fixar, o mais urgentemente possível, mais alguns artigos no Código Penal ou a outro que o valha, estabelecendo, de forma extraordinária, penas duríssimas para todos aqueles que cometeram o monstruoso crime de desvio dos recursos destinados ao combate ao coronavírus.

A essas pessoas, em tempos de tanta aflição e mortes, caberiam sentenças derradeiras, em tribunais do tipo marcial, semelhantes a crime de guerra ou crimes contra a humanidade, ou, como se diz em latim: sine peccatorum remissione, ou seja, sem possibilidade de perdão. Mas como essa é uma possibilidade remota, dada a letargia e a falta de interesse reinante, fica, ao menos, a sugestão colhida junto a boa parte da população, feita não apenas em nome daqueles que viram seus entes queridos partirem repentinamente desse mundo sem a possibilidade de dizer adeus, mas, principalmente, em nome e em memória de meio milhão de mortos.

Infelizmente, esse não parece ser o objetivo dos membros e integrantes da CPI da Covid, apesar da oportunidade que essa comissão tem ainda de clarear todos esses tristes acontecimentos. Houvesse real empenho, a essa altura dos andamentos dos trabalhos, muitos fatos já teriam sido devidamente esclarecidos e providências estariam sendo encaminhadas, para que crimes dessa natureza, por sua crueza, jamais voltassem a se repetir.

Deixar de lado a possibilidade de penalizar aqueles que lucraram, direta ou indiretamente, com a morte de milhares de inocentes, é deixar a porta aberta para a repetição desses mesmos crimes. Pelo que temos visto, lido e ouvido até aqui, com relação às investigações tanto por parte do Legislativo como do Judiciário, são remotíssimas as chances de que esses fratricidas venham a receber as devidas penas. Não se trata aqui de justiçamento ou coisa semelhante, mas apenas estabelecer o que é justo. Do contrário, nos transformaremos, indistintamente, em cúmplices, por omissão ou medo.

Se desses dois Poderes da República pouco ou nada se pode esperar em matéria de estabelecer a justiça, muito menos há esperanças de que o Executivo mande apurar os fatos, pelos meios que possui, inclusive com a apoio dos órgãos de inteligência. O presidente, por seu comportamento ciclotímico e imprevisível, e mesmo por seu comprometimento com as forças políticas do atraso que chamou para junto de si, muito se assemelha hoje ao personagem Fausto, de Goethe, que vendeu sua alma a Mefistófeles, representado aqui pelo Centrão, e muito pouco ou quase nada pode fazer para estabelecer a verdade. Ainda mais quando vai ficando claro, para todo mundo, que ele próprio nada fez para que esses acontecimentos tivessem um desenrolar mais satisfatório e pacífico.

O que se sabe, e isso é o mote principal de toda essa questão, é que crimes diversos foram cometidos durante a pandemia e em decorrência dela, resultando num número impressionante de meio milhão de mortos. Por certo que, para além dos efeitos provocados pelo vírus, em si, outros personagens contribuíram, por suas ações e omissões, para elevar a quantidade de óbitos. É isso que se quer posto a limpo. 

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