Desde 1960

Visto, lido e ouvido — Um modelo feito para não dar certo

Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
postado em 03/07/2021 06:00

Visto de luneta, o Brasil parece, aos olhos do mundo, um desses planetas alienígenas, ocupados por uma estranha raça, cujos costumes sociais, políticos e econômicos são, por seu caráter primitivo e malevolente, impossíveis de serem aplicados em outras partes do mundo civilizado no século 21.

Nossas mazelas nos pertencem por direito histórico e nos caracterizam como nação e como Estado. Tomando como exemplo nosso modelo de Estado, vê-se logo que foi montado para não dar certo. O chefe do Executivo, tão logo toma posse, é obrigado a abrir a porteira do Estado, estabelecendo, já no primeiro dia, uma intrincada rede de relacionamentos com as diversas bancadas com assento no Congresso, acordos esses que nada têm de republicano e ético. Colocado como refém do parlamento, é instado a ceder a parte significativa e mais rendosa da máquina do Estado, representada pelas estatais, aos próceres das dezenas de legendas. Esse é o único caminho a seguir para garantir um mínimo de governabilidade, dentro do que se convencionou chamar, de presidencialismo de coalizão.

Numa primeira etapa, a escolha é só uma: ou age conforme as regras, ou tem suas mais importantes propostas de governo barradas no Legislativo. Caso não consiga estabelecer entendimentos que tragam vantagens significativas para os políticos e suas respectivas legendas, a situação do governo adentra para uma segunda fase mais delicada, dando início, propriamente dito, à fritura do chefe do Executivo, que pode redundar, facilmente, na abertura de um penoso e prolongado processo de impeachment, com todas as suas consequências posteriores.

Nessas relações tumultuadas entre os diversos Poderes, encontrar aqueles que verdadeiramente possuem espírito público e pensam apenas no bem país é coisa tão rara que sua existência, de tão minguada e esparsa, pouco ou nada influencia para alterar essa situação.

Para se ver livre dessas ameaças concretas e veladas, o próximo caminho a ser trilhado pelo presidente da República e também o mais danoso para o país e para a população é usar de suas prerrogativas legais para lotear os postos de comando na Procuradoria-Geral da República, nos Tribunais de Contas, na Polícia Federal e, sobretudo, no Supremo Tribunal Federal, indicando pessoas cujo único atributo técnico está na possibilidade de, lá adiante, obstar ou interromper os processos de destituição do mandatário .

Trata-se aqui de um modelo perverso que cobra um alto preço a ser pago, não por esses atores políticos, mas por todos os brasileiros, indistintamente, que passam a ter, como resultado dessa engenharia marota, um Estado montado na base do compadrio, e não no mérito, como feito em outras partes do mundo civilizado.

Obviamente, quem perde com essas manobras feitas pelos poderes Legislativo e Executivo é a sociedade, tanto no quesito instabilidade das instituições como nas crises políticas recorrentes e, sobretudo, nos prejuízos decorrentes da inevitável má gestão da máquina pública, o que inclui, nesse pacote nefasto, os problemas gerados por uma corrupção endêmica e que, há séculos, vem resistindo impávida e fortalecida por um modelo engendrado, exatamente, para não dar certo. Talvez, esteja aí mesmo o segredo de sua longevidade. 

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