Desde 1960

Visto, lido e ouvido — As porteiras escancaradas do latifúndio chamado Brasil

Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
postado em 09/07/2021 06:00

Somente num país do tipo “faz de conta”, os Três Poderes da República possuem, cada um a seu turno, a prerrogativa legal de desmanchar com os pés o que outro Poder tenta fazer com as mãos, numa ciranda ilógica e movida a interesses de grupos que se digladiam permanentemente entre si.

É o que de modo eufemístico se convencionou pomposamente chamar de pesos e contrapesos. O pior é quando dentro do mesmo Poder esses movimentos de fazer e desfazer ocorrem de forma sistemática, dando o dito por não dito. Sem dúvidas, a imagem que surge na tela mostra o transatlântico da República brasileira, depois de navegar sem rumo e em meio a turbulências, encalhado entre rochas traiçoeiras, totalmente entregue aos humores de um mar bravio e imprevisto.

Se a imagem ainda não é adequada para retratar nosso atual momento, quando o Estado parece entregue e à mercê do que pretendem o pior conjunto de indivíduos a compor, ao mesmo tempo, os três Poderes da República em toda a nossa história, é porque vamos, em meio a uma pandemia devastadora, nos acostumando aos absurdos do dia a dia, e já nem fazemos questão de saber para onde seguimos.

E nem precisa ser mencionado, aqui, o desfazimento da Operação Lava-Jato, realizado pelo Supremo, com a ajuda do Legislativo e do Executivo, ocasião em que acabaram também com a possibilidade de prisão em segunda instância, para atender aos reclames de um pequeno grupo de meliantes. O que chama a atenção agora, em meio ao vai e vem desse formigueiro açulado, foi a decisão da ministra do STF Rosa Weber em suspender a convocação dos governadores, que tinha sido aprovada, a contragosto, pela comissão parlamentar de inquérito, sob o argumento de que a CPI não pode investigar o uso, feito pelos estados, dos recursos provenientes de repasses federais.

O mesmo impedimento foi estendido ao presidente da República. Com essa medida derradeira, o Supremo, ao mesmo tempo, desfez qualquer possibilidade de uma investigação séria de corrupção ocorrida em vários estados da federação, pondo uma pedra sobre o que seria o mote e o veio principal que levaria até aos gestores estaduais, onde a Polícia Federal já identificou um verdadeiro cipoal de malversações de recursos públicos, desvios, lavagem de dinheiro, compra superfaturada, pagamentos suspeitos, pagamentos por compras não entregues e um conjunto de crimes.

Ao mesmo tempo, essa decisão vem de encontro ao que muitos parlamentares com assento na CPI queriam, mas não tinham coragem de externar publicamente.

O mesmo vale para o Executivo que viu nessa decisão um modo de quebrar as pernas da CPI no que ela tinha de mais sensível. O único a perder com essa decisão foi o cidadão e contribuinte brasileiro, que ficou impossibilitado de verificar os rumos que tomaram os bilhões de reais despejados nos estados, pretensamente em nome do combate a pandemia.

Não chega a ser estranho que a pandemia tenha possibilitado aos três Poderes da República passar livres com sua boiada pelas porteiras escancaradas desse latifúndio devoluto chamado Brasil.

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