Desde 1960

Visto, lido e ouvido — Aposta no caos

Desde 1960 Circe Cunha (interina)
postado em 11/07/2021 06:00

Cada dia com sua agonia, repetia o filósofo de Mondubim. O problema é quando a agonia de todos os lados começa a ficar cada vez mais intensa com o passar dos dias. Nesse caso, o que se obtém é a formação, no horizonte, de uma tempestade perfeita, prestes a precipitar igualmente sobre todos. É justamente essa armação de um intenso temporal que vamos aguardando, aparvalhados, abater-se sobre o país, suas instituições e, por extensão, em cima da nação, com ameaças veladas de um retrocesso, desejado por uns poucos, que dessa tormenta sonham em colher os frutos da dissipação da democracia. Não se trata, aqui, de alarmismos sem fundamentos.

A antevisão de fissuras, que agora surgem estampadas e em uníssono, chama a atenção para uma sequência de fatos, muitos oriundos do destempero verbal do chefe do Executivo, das iniciativas do Judiciário e do desespero do Legislativo. Os grupos parecem ter atingido um perigoso ponto de ebulição. De um lado, um cipoal de denúncias que vão emergindo na CPI da Covid do Senado, de outro senadores exaltados fugindo das suas atribuições, e mais para a direita, na Praça dos Três Poderes, ministros do judiciário arbitrando como no julgamento final.
As repetidas pilherias e outras troças continuam dirigidas aos fantasmas que parecem assombrar esse momento brasileiro. Tentaram evitar o futuro com uma faca afiada rodada no bucho do mais votado. A liturgia do cargo começou a sangrar aí. Sem apoio para divulgar os responsáveis pela tentativa de homicídio, Bolsonaro, amparado por seus eleitores, não consegue a grande mídia nem o Congresso como apoiadores por razões que a própria razão conhece. Poucas figuras do poder dignificam a posição ao criar no imaginário daqueles que prezam pela seriedade e liturgia de tão importante cargo.
A intenção de todos os lados de enviar recados intimidatórios aos muitos inimigos revela personagens que parecem perdidos e amedrontados, em meio à mata escura, e por isso, acionam a metralhadora verbal para todos os lados. O problema é quando esse temperamento ciclotímico, que mais lembra um arremedo da figura de Jânio Quadros, sai das raias da caricatura e passa a causar danos às instituições do Estado e a gerar crises sistêmicas, colocando em risco o próprio Estado Democrático de Direito.
Desta vez, as ameaças de diferentes matizes que vêm surgindo de todos os lados ganharam um status de ataque frontal. Basta acompanhar o desprezo pelo voto impresso. Mais cara que a implementação da impressão do voto é a dúvida. A segurança é total, já que o voto não sai da urna. Para quem zela pela democracia e a Carta Magna, a construção das justificativas contra a certeza do voto é frágil. Inimigos da nação, ninguém mais sabe quem é. Por outro lado, ao afirmar taxativamente que não haverá eleições em 2022, caso o voto impresso não seja instituído como deseja, Bolsonaro açulou os outros Poderes. Conseguiu a unanimidade de juntar, contra si, os ministros do STF e do TSE, além do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco. Os primeiros garantiram que as eleições serão realizadas. O segundo afirmou não compactuar e aceitar retrocessos à democracia. Até mesmo 11 partidos com assento do Legislativo bateram o martelo, dizendo não apoiar a introdução do voto impresso nas próximas eleições. Se seria mais seguro que os brasileiros pudessem ver a urna auditada, não há como compreender essa teimosia.
Qualquer um, de qualquer dos Poderes, que possa vir a ser apontado, por sua performance, como inimigo da Nação, perde, nesse campo, o poder, a capacidade e o direito de comandá-la.

 

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