Com praticamente dois anos de atraso, mas redimido graças à brilhante sugestão de uma amiga professora da rede pública de ensino do DF, assisti ao filme O silêncio dos homens. O documentário, dirigido por Guilherme Valadares e lançado no fim de agosto de 2019, traz importantes reflexões sobre a cultura masculina na sociedade brasileira e golpeia a audiência com marretadas capazes de abalar muros erguidos durante séculos de ignorância e truculência. São daquelas obras que merecem atenção por longo tempo, pois o nobre objetivo a que se propõe ainda parece longínquo.
Com 1,4 milhão de visualizações até o momento (76 mil curtidas e 2,6 mil avaliações negativas), as questões abordadas pelo filme perscrutam com profundidade um elemento marcante e decisivo para a organização social, no Brasil e em boa parte do mundo. As relações que se iniciam entre pais e filhos, atravessam a formação de novas famílias, descambam em violência doméstica e geram uma quase infinita série de traumas nos mais diversos aspectos da vida são as premissas do argumento desenvolvido pelo roteiro. Logo de início, recebemos o convite para meditar sobre o significado do papel de pai (e marido), enquanto ouvimos depoimentos perturbadores, mas, ao mesmo tempo, tão íntimos.
A revelação do documentário, talvez, resida em demonstrar o quanto o algoz é também massacrado pelos próprios tormentos que provoca, pois o suposto poder exercido à base de violência e ignobilidade esconde personalidades frágeis, carentes e adoecidas. Como se diz por aí, é preciso “estar com a terapia em dia”. A obra justamente contribui para a cura de arraigadas estruturas disfuncionais, não apenas expondo as mazelas de uma existência masculina distorcida, mas apontando para possíveis processos terapêuticos que nos livrem da perpetuação de dores históricas.
Não hesitei em compartilhar o título, disponível gratuita e integralmente no YouTube, com os contatos e amigos em minhas redes. Recomendo fortemente, aliás, que a obra seja tema de estudo em salas de aulas (do fundamental ao superior), pois me parece um conteúdo muito mais proveitoso e necessário do que a tabela periódica ou algumas normas gramaticais. Tantas são as reformas de que precisamos — da tributária ao caráter humano.
Reconhecer e abraçar tenramente as fragilidades que nos rodeiam, não como forma de enaltecê-las e as transformar em pressupostos virtuosos para o exercício do poder (como se faz no presente em Brasília), mas, sobretudo, para estabelecer um novo sentido para as múltiplas manifestações do universo masculino, tem o poder de cicatrizar antigas feridas, interromper incontáveis ciclos de sofrimento e lançar luz ao mundo.
Nosso desafio vai além de aprovar leis justas, dar eficiência aos tribunais e punir os criminosos que nos assaltam das favelas aos palácios. É preciso tocar o coração, afagar a alma e sossegar a mente. Um bom papo de homem para homem, na real, pode ser um bom começo.
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