OPINIÃO

Artigo: A fabricação dos Lázaros

Correio Braziliense
postado em 13/07/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Por CRISTOVAM BUARQUE — Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

Em 28 de junho, a população em Goiás e no Distrito Federal respirou aliviada com a morte de Lázaro Barbosa, por saber que não corria mais o risco de ser vítima dele, que havia assassinado diversas pessoas e não hesitaria em matar qualquer outra. Ao lado do alívio, lamentou que ele não tivesse sido julgado e condenado dentro dos preceitos da lei.

A prisão permitiria o julgamento para esclarecer toda dimensão da tragédia, da maldade e quais suas causas: o que fez do menino Lázaro o bandido Lázaro. Permitiria também a condenação dele para pagar por seus crimes, preso por décadas em algum cárcere de máxima segurança. Alguns até lamentam que nossa Constituição não permita pena de morte, mesmo assim, preferiam vê-lo julgado. Outros sentiram incômodo na maneira como os policiais trataram o cadáver, ainda que de um ex-bandido, como um saco de areia, jogando-o primeiro no asfalto e depois no bagageiro da caminhonete. Um tratamento que não respeitou as normas éticas, humanistas e religiosas, nem aos familiares que ele tinha. Além de ter um impacto negativo na formação das crianças e jovens que viram a cena pela televisão.

Temos razão de agradecer aos policiais que correram risco de morte para proteger à população, mas é lamentável que, ao reagir, Lázaro tenha obrigado a ação que levou à sua morte. Além dos sentimentos de alívio, agradecimento e incômodo, a morte do bandido que assassinou com brutalidade, inclusive uma criança, provoca a reflexão sobre quantos outros Lázaros estão em processo de formação enquanto ele era morto. Há Lázaros que resultam de suas próprias mentes doentias, produto da natureza, mas grande parte deles é produzida na formação que tiveram ao longo da infância e da adolescência. Produto da educação ou da falta dela em casa, na escola ou na rua.

Sabe-se que muitos criminosos violentos são resultado de violências e abusos na infância, desequilíbrios de famílias desfeitas, especialmente quando sofrem ou assistem a violências dos pais contra eles. Produto de escolaridade incompleta que os levam às ruas, ou de escolaridade deficiente, sem receber valores morais, nem um ofício para que sobrevivam e se orientem no mundo moderno. Também de desespero que pode levar a pequenos crimes pela sobrevivência: se não forem punidos, são incentivados a outros crimes mais graves, se forem punidos em nossas cadeias, poderão sair delas ainda mais violentos do que entraram. Lázaro Barbosa é um desses produtos.

A imensa maioria sobrevive a todas as dificuldades sociais e aos atrativos ao crime, e se mantém dentro da legalidade, sem cair na maldade, aguenta sem sucumbir à fábrica de violência que caracteriza a sociedade brasileira. Mas os poucos que não resistem ao abandono, à deformação, ao desespero e à cadeia, são capazes dos horrores a que assistimos nas mãos deste Lázaro e de outros como ele, já mortos, presos, ou soltos esperando em alguma esquina para cometerem novos crimes.

Não há o que fazer pelas vítimas de Lázaro. Não havia como recuperar o facínora, mas ainda é tempo de entendermos que, por ações e omissões ao longo dos anos, fizemos do Brasil uma fábrica de bandidos que poderiam ter seguido rumos diferentes na vida, integrados pacificamente à sociedade. Somos, uns mais outros menos, fabricantes de Lázaros. Não devemos nos contentar que este é o caminho a seguir: fabricar Lázaros e matá-los depois dos crimes que cometem.

Cocalzinho foi o cemitério para um Lázaro, mas o Brasil é uma ativa maternidade de outros Lázaros que desde a infância são molestados, abandonados, deseducados para ficarem desesperados na vida adulta e não resistirem às tentações do crime, nem ao impulso das mentes doentias que lhes foram implantadas pela maldade de uma sociedade perversa.

Quando não há mais jeito, ainda bem que há policiais dedicados, mas a um custo alto em vidas perdidas, mortes que deviam ter sido evitadas. Pena que prevalece a lógica que prefere os custos do combate e mortes. Em vez de ação para prevenção do crime, prefere-se matar os Lázaros depois que eles mataram pessoas inocentes e pacíficas. Há décadas optamos pelo esforço policial de prender ou matar os maus depois de seus crimes, no lugar do esforço para construir uma sociedade pacífica, que eduque, criando pessoas pacíficas e com alternativas para suas vidas.

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