OPINIÃO

Visto, lido e ouvido — Supersalários

Desde 1960 Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
postado em 15/07/2021 06:00 / atualizado em 15/07/2021 09:47
 (crédito: Linus Nilsson/Unsplash)
(crédito: Linus Nilsson/Unsplash)

Parodiando o saudoso jornalista e escritor Stanislaw Ponte Preta (1923-1968), que em seus livros, Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá), criticava a elite brasileira e os costumes de um povo, naturalmente inzoneiro, prosseguimos, décadas depois, atualizando nosso festival das mais variadas e criativas formas, mostrando que o passar do tempo e as mudanças de costumes têm força necessária para fazer evoluir uma civilização que nasceu sob o signo do atraso.

Dizia com propriedade atemporal, ali pelos anos 1960, Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto: “A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento”. De lá para cá, a situação de descompasso entre as elites, principalmente do funcionalismo público, ficou não apenas congelada no tempo, como ganhou ainda maior distanciamento e desigualdade.

Hoje, o que se observa na atual estrutura do funcionalismo público é um desnível salarial e outras mordomias de tal ordem, que coloca a nossa máquina do Estado como um exemplo de mecanismo gerador da mais absurda e ilógica dissimetria.

Uma mega estrutura mostra ao mundo nossa infinita capacidade de montar um arremedo de organização pública, injusta com os mais necessitados, justamente aqueles que bancam todo esse portentoso e intrincado mecanismo.

Nesse ponto, falar em reforma administrativa, capaz de interferir nessa estrutura salarial conflitante e geradora de injustiças, é tarefa quase perdida, quando se sabe que para tanto seria necessário desalojar aqueles que sempre viveram sob esse guarda-chuva generoso. Ainda mais quando se nota que a classe política e todos aqueles que têm a prerrogativa do lobby para forçar essas alterações não querem saber de mudanças capazes de retirar-lhes privilégios e outros ganhos paralelos, sempre extraídos a fórceps dos cofres públicos.

É a clássica e a transversa situação que mostra que quem pode não quer e quem quer, não pode. A aprovação ocorrida na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 6726/16, chamado projeto dos supersalários de agentes públicos, é uma tentativa, depois de mais de um década parada naquela Casa, de dar algum sentido ao que, na realidade, não tem sentido ou razão de ser, impondo um certo limite aos salários abusivos que superam, em muito, o teto permitido de R$ 39.293 fixados para ministros do Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de um teto esburacado e que nunca foi respeitado, inclusive e principalmente, pelo pessoal do Judiciário. Segundo o relator do projeto, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), a aprovação dessa proposta poderá gerar uma economia aos cofres públicos entre R$ 3 bilhões e R$ 10 bilhões, ao disciplinar o salário de aproximadamente 25 mil servidores públicos que possuem ganhos acima do teto, graças aos chamados penduricalhos.

O que temos aqui, apesar do mérito do projeto, é uma tentativa tímida em vista da enorme desigualdade salarial existente dentro da máquina do Estado, que faz, por exemplo, com que um certo desembargador possa receber como salário da União, um valor mensal superior a R$ 500 mil, entre outras muitas aberrações, já mostradas ao público, por meio da Lei de Transparência.

Num país ideal, onde as normas seriam aquelas que trariam harmonia absoluta entre os cidadãos, o chamado teto salarial do funcionalismo seria fixado para o servidor que ocupasse, em tempo integral, o cargo de professor titular de universidade federal, com trabalhos acadêmicos publicados e em fim de carreira, ou a cientistas e pesquisadores de ponta, envolvidos com trabalhos de grande relevância para o desenvolvimento do país. Os demais altos salários ficariam escalonados entre o restante do corpo docente, colocando essa categoria como a mais bem paga de todo o funcionalismo.

 

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