Por JOSÉ PASTORE — Professor e Sociólogo
PAULO DELGADO — Professor e sociólogo
Por mais de 70 anos, o Brasil manteve uma distorção que deu aos dirigentes sindicais uma situação confortável e única em todo o mundo: os recursos para a manutenção de suas entidades eram garantidos por uma verba pública de recolhimento obrigatório — a contribuição sindical (art. 578 da CLT). Uma dinheirama (estimada em R$ 4 bilhões por ano) entrava em seus cofres, sem o menor esforço. A cada dia surgia mais uma entidade sindical. O Brasil chegou a ter cerca de 18 mil sindicatos, pouco representativos em sua maioria. Com a possibilidade de reeleição, os dirigentes se mantinham nos mesmos cargos, pouco fazendo pelos seus representados. A contribuição sindical era obrigatória tanto para associados quanto não associados. Era um dia de salário por ano para os empregados e um percentual do capital social para os empregadores.
O sonho de consumo dos dirigentes sindicais era ter um grande número de contribuintes e um pequeno número de filiados. Isso garantia assembleias minúsculas e liberdade para todo tipo de ação. Depois de muita luta, os parlamentares acabaram com a obrigatoriedade da contribuição sindical ao aprovarem a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017). Dali para frente, as entidades sindicais passaram a depender de aportes voluntários de empregados e empregadores. Muitas quebraram, pois não tinham o menor prestígio junto aos seus representados. Outras se uniram para reduzir despesas. Mas, uma boa parte passou a trabalhar em favor dos seus representados. Observa-se hoje um esforço genuíno de prestar bons serviços a empregados e empregadores. Foi um passo importante para moralizar a vida sindical.
Essa distorção migrou para a vida partidária. O Fundo Partidário e o Eleitoral lembram a manipulação do dinheiro público. É um fracasso da autonomia dos partidos para representarem, com liberdade, os cidadãos frente ao Estado. Financiados pelo orçamento da União, se situam confortáveis fora da ordem social onde vivem os eleitores. É razoável pensar que esse dinheiro é a razão principal da proliferação de legendas sem qualquer representatividade. Muitos partidos, cujo objetivo principal é participar desses fundos, já nascem como burocracias personalistas que acabam representando seus próprios interesses acima da sociedade.
É deplorável que os partidos políticos continuem insistindo na boa vida com base no dinheiro público. O Fundo Partidário, garantido pela Lei 9.096/1995, é alimentado por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades e outros recursos. Em 2020, foram quase R$ 900 milhões para 33 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já o Fundo Eleitoral, garantido pela Lei 9.504/1997, distribuiu R$ 2,034 bilhões para 34 partidos. Polpudos recursos nos permite dizer que é o dinheiro público, não o interesse e as necessidades do cidadão, que domina a vida política brasileira. Mas, nem com isso se satisfazem.
Ontem, como último ato antes do recesso, os parlamentares aumentaram os recursos do Fundo Eleitoral para R$ 5,7 bilhões numa hora de compressão de orçamentos e socorro à pandemia. É um montante que ultrapassa os fatos econômicos e que afeta a credibilidade de toda a organização político-partidária brasileira.
Não tem cabimento partidos políticos viverem assim tão fora da realidade. A democracia se organiza e se sustenta na base da confiança pelo fato de todos compartilharem o mesmo ideal de viver sob instituições sólidas e respeitadas. Os políticos parecem propensos a raciocinar da mesma maneira que raciocinavam os maus sindicalistas. Até quando?
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.