Fabio Murakawa, Raphael Di Cunto, Murílio Camarotto e Andrea Jubé são jornalistas investigativos e dizem que o Ministério da Saúde suspendeu as negociações para a compra da vacina indiana Covaxin, que se tornou pivô de denúncias de corrupção contra o governo Jair Bolsonaro. A medida obedece à orientação da Controladoria Geral da União (CGU) e tem caráter “preventivo”, segundo os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e da CGL, Wagner Rosário, que anunciou uma auditoria.
A suspensão ocorre após denúncias feitas pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que apontou interferência indevida do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), para acelerar o processo de contratação da vacina. O irmão do deputado, Luis Ricardo, é servidor da Saúde e relatou pressões de pessoas indicadas por Barros para liberar a compra.
Em despacho encaminhado ao Ministério da Saúde, a CGU elencou cinco razões que justificam a suspensão do contrato para aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. Apesar das suspeitas sobre irregularidades, o que pesou mais na decisão foi uma manifestação do próprio Ministério da Saúde, que estaria inclinado a rescindir o contrato.
A Secretaria de Vigilância mencionou à CGU as dificuldades enfrentadas pela Precisa Medicamentos para obter a liberação da vacina pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e recomendou “a suspensão ou mesmo a rescisão do contrato’”.
Parlamentares próximos ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e da oposição especulam que Miranda pode ter gravado a conversa com Bolsonaro e, por isso, aguardam o desenrolar do caso. Mas veem o líder como “rifável” e duvidam que ele saia atirando, caso retirado do cargo. A análise é que Bolsonaro pode trocar o líder para se afastar das acusações. O ministério virou balcão de negócios.
Outro jornalista diz que o advogado Flávio Pansieri, ligado ao líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), participou, em abril, de uma reunião com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar de vacinas. Realizada em 30 de abril, a reunião teve como objetivo discutir o pedido de uso emergencial da Convidecia, vacina de dose única contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica chinesa CanSino, em parceria com a empresa brasileira Belcher. Pansieri aparece como um dos representantes das empresas interessadas em trazer a vacina.
Recentemente, a CanSino rompeu o contrato com a Belcher, alegando “questões de compliance”. Em documentação encaminhada à Anvisa, a CanSino diz estar buscando um novo representante no Brasil, “de perfil mais profissional e confiável” e que tenha autorização plena da Anvisa para ações de farmacovigilância. O Ministério da Saúde chegou a assinar uma carta de intenção de compra de 60 milhões de doses da Convidecia, ao custo de R$ 5,2 bilhões. A rescisão do contrato entre a CanSino e a Belcher, contudo, esfriou as negociações.
Apesar da polêmica, o Ministério da Saúde ainda não descartou o negócio com a CanSino — diferentemente do que aconteceu com a indiana Covaxin. Apesar da carta de intenções falar em um preço de US$ 17 por dose, o governo ainda pretende negociar. Tudo vai depender, no entanto, da indicação de uma nova representante local para a farmacêutica chinesa. Os representantes locais são importantes para prestar esclarecimentos à Anvisa e também para atividades de farmacovigilância, que consistem, entre outras coisas, no acompanhamento das pessoas que foram vacinadas.
Se considerado o preço de US$ 17 por dose, a Convidecia seria a vacina mais cara negociada pelo governo brasileiro. Fontes no ministério lembram, porém, que, como a aplicação se dá em dose única, o valor cai pela metade. Mas dizem que não, são duas doses mesmo. A compra de vacinas deveria ter uma comissão de notáveis, e chegou-se a pensar nisso. Bolsonaro vetou e arranjou às escuras um grupo de médicos bolsonaristas, nem todos infectologistas, para assessorá-lo.
O Brasil, a cada dia, me surpreende. Às vezes, acho que somos um povo governado como no século 13, por um rei e seus apaniguados. Onde se viu ter pesadelos políticos? Eu os tenho. “Tempos estranhos”, digo eu para despedir-me do ministro Marco Aurélio, a quem pessoalmente conheci, um bom papo pontilhado de ironias, mas sempre causadores de risos, e não de ódios que, acredito, não os têm. E viva o bom humor nesses tempos estranhos, expressão que sempre repetia. O Brasil de hoje sempre lhe pareceu inédito. Até mais, ministro Marco Aurélio. O Rio tem bons restaurantes. E tradicionais!
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