OPINIÃO

Daniela Luciana: Julho das Pretas; passos que vão muito além da hashtag

Correio Braziliense
postado em 24/07/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Por DANIELA LUCIANA — Jornalista, poetisa, integrante da Irmandade Pretas Candangas/ Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, Coletivo Literário Ogum’s Toques e Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do DF

Política, sim. E segurança digital, saúde mental, empreendedorismo, poesia, cinema, literatura, educação, comunicação. No balaio de temas/áreas do Julho das Pretas, desde que as mulheres negras estejam na liderança e no protagonismo, cabe a nossa diversidade de realizações e interesses. As atividades podem fazer parte das 322 que integram a programação oficial ou ser uma das manifestações que compõem a viralização nas redes sociais, ou acontecer extraoficialmente, todas em expansão a cada ano.

A partir da ação original capitaneada pelo Odara — Instituto da Mulher Negra, em 2013, hoje podemos constatar a capilaridade e diversificação da iniciativa originalmente nordestina. Desde o dia 1º, em todo o país, é Julho das Pretas. Mais uma vez, na história do Brasil, é da Bahia a primazia, pelas mãos do Odara, que seguem a concretizar a ideia de ter as mulheres negras como protagonistas não apenas no 25 de Julho — Dia da Mulher Afro-latino Americana e Afro-caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela.

O Julho das Pretas “é uma ação de incidência política e agenda coletiva”, informa o site do Odara. E prossegue: “Ganhou o país, por meio da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, da Articulação através de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), de centenas de coletivos e organizações de mulheres negras e de milhares de pretas que se organizam em ações coletivas ao longo dos últimos nove anos, para registrar o mês de Julho na agenda pública do país”.

A pandemia não arrefeceu o movimento, pelo contrário. Por meio das redes sociais e outros espaços de comunicação, inclusive os tradicionais e massivos, as pautas emergem. As mais diversas plataformas virtuais são usadas para agregar e dar visibilidade, e isso tem feito com que instituições de ensino, organizações sociais, órgãos de governo, veículos de comunicação, partidos políticos, sindicatos, entre outros espaços de participação tenham programação relativa a mulheres negras, com participação e protagonismo negro, nesse período.

Ao mesmo tempo em que a expansão é bem-vinda e atende às metas iniciais e atuais, ressalto que é vasto e multifacetado o resultado encontrado a partir da pesquisa da hashtag #JulhodasPretas em algumas das redes sociais mais usadas. É neste cenário que observamos manifestações e atividades que se apresentam sob o nome Julho das Pretas, se referem à ação sem ter vínculos formais ou, no mínimo, mencionam a hashtag.

A cada ano, a capilaridade do Julho das Pretas — dentro e fora das redes sociais — demonstra a capacidade de influência das mulheres negras. Essa incidência é real, e avalio como um dos maiores fatores de mobilização e articulação de nosso país, ainda mais considerando que se iniciou há apenas oito anos.

O que considero mais impactante, no âmbito da comunicação social, é verificar que pessoas, organizações e uma amplitude de perfis se identificam com a mobilização em torno do mês e compartilham milhares de conteúdos de forma completamente espontânea, muitas vezes sem conhecer como se iniciou o Julho das Pretas, sua História, o arcabouço de mobilização política. Novamente: isso é bom ou ruim? Ambos.

É primordial, mais que positivo, haver agenda oficial, coletiva e orgânica politicamente, abrangendo diferenças e diversidades na temática e no formato. Em 2021, o tema geral é “Para o Brasil Genocida, Mulheres Negras apontam a Solução!”, uma abordagem histórica e conjuntural, explicita que “está denunciando o genocídio da população negra brasileira, em curso desde a fundação da nação, e intensificado durante a pandemia da covid-19”. A agenda objetiva também dar visibilidade ao modo e extensão do quanto estamos organizadas em todas as esferas de nossa sociedade, como influenciamos novas gerações e às soluções que temos para o país, “a partir da luta antirracista, antipatriarcal e pelo Bem Viver.”

O que pode ser muito ruim é que se permita a diluição da carga política, do potencial de articulação originário, ao ser usada para preencher agendas, programação de postagens, canais virtuais, sem respeitar a caminhada, luta, protagonismo e liderança das mulheres negras.

Ver o Julho das Pretas em evidência o mês inteiro, com os picos que acontecem amanhã, nosso dia, é muito bom. Seguimos alertas para que se mantenha em alta e fiel às motivações originais essa hashtag/ação coletiva, que alcance e incentive a participação concreta e virtual, protagonizada por milhares de mulheres negras, individual ou coletivamente, em suas manifestações dentro ou fora da agenda oficial. Isso é influência!

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