OPINIÃO

Armando Castelar: Estagflação global?

Avanço da variante Delta gerou um receio de que novas quarentenas e restrições à locomoção se façam necessárias e que a normalização da atividade econômica venha a ser mais gradual do que se imaginava antes

Amando Castelar*
postado em 28/07/2021 06:00 / atualizado em 28/07/2021 07:53
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Olhando pelo retrovisor, a recuperação da economia mundial mostra-se extremamente robusta. Esta semana, serão divulgados o PIB do segundo trimestre dos Estados Unidos (quinta-feira) e da área do Euro (sexta-feira) e se espera que ambas as estatísticas confirmem o forte ritmo de expansão dessas economias, na esteira da vacinação e dos estímulos fiscais e monetários adotados em reação à pandemia. As estimativas de mercado apontam para altas anualizadas do PIB na faixa de 8,0% e 6,5%, respectivamente, com as projeções indicando um terceiro trimestre ainda mais forte, com essas taxas subindo para 8,5% nos EUA e 10,5% na Zona do Euro, em todos os casos nas séries com ajuste sazonal.

Uma das consequências dessa robusta retomada da atividade econômica global tem sido a alta também consistente da inflação. Isso fica claro no preço das commodities, que subiu com força no primeiro semestre de 2021, registrando alta anualizada de 66%, em dólares. Os preços de bens industriais também aumentaram bastante, resultado da forte alta da demanda por bens e dos estoques em níveis muito baixos. A tendência é de que a inflação também comece a se espalhar para os serviços.

Não deve surpreender, assim, que, no primeiro semestre de 2021, o índice de preços ao consumidor americano tenha tido uma alta anualizada de 7,3% e que, para o ano como um todo, o mercado espere uma inflação em torno de 6%. Para a Área do Euro, também, a expectativa é que este ano a inflação suba para 3%.

Em que medida esse é um choque transitório, ou uma alta que tende a se espalhar conforme o mercado de trabalho se recupere? Em vários emergentes, como o Brasil e a Rússia, os bancos centrais (BCs) vêm elevando os juros. Os BCs dos países ricos, porém, têm defendido ser esse apenas um choque e têm insistido não ter intenção de reverter tão cedo a política monetária expansionista adotada em resposta à pandemia.

O mercado financeiro, porém, vinha se mostrando cético em relação à capacidade dos BCs se manterem imóveis por muito tempo. A aposta dos investidores era, pelo contrário, de um cenário de inflação sustentadamente mais alta, que forçaria uma elevação dos juros, em meio a um cenário de forte crescimento econômico. Essa aposta causou uma alta no rendimento dos títulos públicos americanos e europeus, uma desvalorização do dólar, uma rotação nas bolsas de valores em favor de empresas mais sensíveis ao ciclo econômico e um maior apetite por papéis de países emergentes.

Nas últimas semanas, porém, os preços de ativos financeiros foram no sentido oposto, com aumento da aversão ao risco, valorização do dólar, rotação contrária às ações mais sensíveis ao ciclo e perda de apetite por ações de países emergentes. Esta semana, de fato, o rendimento real dos títulos americanos de 10 anos caiu para menos 1,13%, um nível ainda mais baixo do que no auge do pânico com a pandemia. Na Área do Euro, essa taxa ficou ainda mais negativa: -1,65%. Com isso, o retorno nominal desses títulos também caiu bastante, em que pese uma queda modesta das expectativas de inflação, que seguem acima do período pré-pandemia nos EUA, em 2,33% ao ano para a média do próximo decênio.

Por que os investidores ficaram mais pessimistas nas últimas semanas? A resposta mais comum é ser essa uma reação à disseminação da variante Delta da covid-19 no Reino Unido e, em menor escala, nos EUA e em outros países europeus. Isso gerou um receio de que novas quarentenas e restrições à locomoção se façam necessárias e que a normalização da atividade econômica venha a ser mais gradual do que se imaginava antes.

Uma boa notícia, nesse sentido, é que, no Reino Unido, as internações hospitalares e mortes cresceram bem menos do que o número de casos, mesmo após o fim das restrições de mobilidade a partir de 19 de julho. Em esse quadro se mantendo, é provável que um pouco do pessimismo recente seja revertido.

Há também quem considere que essa é a reação exagerada a uma desaceleração apenas natural do crescimento que, mesmo sem permanecer tão espetacular, ainda ficará acima da média recente em 2022-23. De fato, algumas importantes instituições financeiras têm insistido que a deterioração de expectativas é transitória e que o apetite pelo risco deve outra vez aumentar no segundo semestre. Esse seria um cenário positivo para o Brasil. Bem melhor, de fato, do que um quadro em que o crescimento global desacelera, mas a inflação segue alta, forçando a mão dos BCs, o que seria bem ruim para os emergentes.

* Armando Castelar é Coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/URFG

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