OPINIÃO

Orlando Thomé Cordeiro: De volta pro meu aconchego

Correio Braziliense
postado em 30/07/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Por ORLANDO THOMÉ CORDEIRO — Consultor em estratégia 

 

Estou de volta pro meu aconchego

Trazendo na mala bastante saudade

Querendo um sorriso sincero, um abraço,

Para aliviar meu cansaço

E toda essa minha vontade.

Que bom poder estar contigo de novo

Roçando teu corpo, beijando você

Pra mim tu és a estrela mais linda

Teus olhos me prendem fascinam

A paz que eu gosto de ter


Esses versos da composição de Dominguinhos e Nando do Cordel foram imortalizados na voz de Elba Ramalho em 1985 como parte da trilha sonora da novela Roque Santeiro, um enorme sucesso de Dias Gomes. Ela logo veio à minha mente ao ver as primeiras notícias sobre o convite do presidente Bolsonaro ao senador Ciro Nogueira para que assumisse a Casa Civil.

Se fizermos um balanço do mandato presidencial e de sua narrativa, veremos que, lado a lado com as sistemáticas agressões às instituições da República, o recorrente negacionismo em relação à pandemia, os ataques à imprensa e a jornalistas, há uma característica sempre presente: a afirmativa, repetida à exaustão, de que no seu governo não há corrupção. Aliás, essa vinha sendo uma das mais fortes justificativas para manutenção de apoio nas redes sociais.
Essa situação começou a mudar a partir de maio, quando teve início a série de depoimentos na CPI, acompanhados com um crescente interesse pela população nas sessões transmitidas ao vivo. Com certeza, esse fator acabou por contribuir diretamente para que a participação nas manifestações de ruas em 29 de maio tivesse sido em número muito superior ao esperado até mesmo por seus organizadores.

Porém o principal ponto de virada foi em 25 de junho, quando a CPI ouviu as revelações feitas pelo deputado federal Luiz Miranda e seu irmão sobre as negociatas envolvendo as obscuras tratativas para aquisição da vacina Covaxin. Desde então, as diversas pesquisas de opinião vêm mostrando que a imagem de um governo sem corrupção começa a erodir. A título de exemplo, a realizada pelo DataFolha em julho indica que, para 70%, há corrupção no governo federal e que, para 64%, o presidente tem conhecimento. O resultado não é diferente daqueles obtidos nos monitoramentos das redes sociais.

A primeira consequência prática foi a realização de mais manifestações em 19 de junho, desta feita em maior volume, além de ampliação quanto à pluralidade política e partidária. Simultaneamente, continuava o processo de desgaste do governo potencializado pelas inquirições na CPI. O impeachment, antes uma miragem, passava a ganhar corpo, aumentando a pressão sobre o presidente da Câmara para que aceitasse um dos 130 pedidos protocolados.

É nesse cenário que o presidente resolve estreitar ainda mais seu relacionamento com os parlamentares e partidos do Centrão. Ainda em abril, aceitou a indicação do deputado Arthur Lira e nomeou para o ministério a deputada federal Flávia Arruda, esposa do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, nacionalmente conhecido pelo pagamento de propinas a deputados distritais, como ficou comprovado na operação Caixa de Pandora há 11 anos.

Agora, percebendo o crescimento da ameaça sobre sua cabeça, não hesitou em rapidamente nomear para a Casa Civil, o mais relevante cargo político na Esplanada, o senador Ciro Nogueira, presidente do PP. Diante das cobranças por coerência com sua narrativa de campanha, Bolsonaro não se fez de rogado e, em entrevista para uma rádio paranaense, proferiu a frase que simboliza essa nova etapa de seu governo: “Eu sou do Centrão”.

A consequência desse movimento é o evidente adiamento do risco de votação do impeachment. Entretanto, não se pode afirmar que esteja afastada em definitivo a hipótese do processo ser aberto. Vai depender, entre outros fatores, do que vier à tona com a retomada dos depoimentos na CPI. Se surgirem, como anunciado, mais fatos comprometedores, a tendência é a ampliação dos protestos nas ruas. Nesse sentido, o MBL e o Vem Pra Rua estão fazendo uma ampla convocação para 12 de setembro. Essa é uma relevante indicação de perda de apoio de Bolsonaro, porque a maioria dos integrantes desses movimentos votou no presidente em 2018.

Por fim, seria recomendável que aquele conhecido hit entoado pelo general Heleno na campanha eleitoral fosse substituído pelos versos da última estrofe da música que dá título à coluna:

É duro ficar sem você vez em quando

Parece que falta um pedaço de mim

Me alegro na hora de regressar

Parece que vou mergulhar na felicidade sem fim

Sem dúvida, foram feitos um para o outro. Resta saber se a maioria da população vai apadrinhar esse casamento.

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