Se fizesse parte do Time Brasil, a ginasta dos Estados Unidos Simone Biles estaria sendo chamada de “amarelona” e “pipoqueira” por renunciar a disputa de uma final nos Jogos de Tóquio. Os atletas do nosso país são tratados assim. Com raras exceções, consumimos desempenhos e não damos a mínima para a alma de um esportista e seus dramas pessoais.
Eleito três vezes melhor do mundo e artilheiro da Copa de 2002 com oito gols na conquista do penta, Ronaldo ainda é meme por causa da convulsão horas antes da final do Mundial de 1998 contra a França. Onze em 10 brasileiros dizem que ele “amarelou”.
O Fenômeno não é a única vítima de pareceres rasos. Ex-atletas da ginástica artística, como os irmãos Daniele e Diego Hypólito, Daiane dos Santos e Jade Barbosa; do atletismo, Fabiana Murer e Jadel Gregório; a Seleção feminina de vôlei em Pequim-2008 e o conjunto de hipismo Rodrigo Pessoa e seu cavalo Baloubet du Rouet foram estigmatizados.
Ao expor a doença e os efeitos colaterais dela, Biles ajuda, indiretamente, a educar torcedores do nosso país. Como não é brasileira — e, sim, estadunidense — poucos a acusam de “amarelar”. Há interesse pelo que se passa na mente e no coração da jovem de 24 anos.
Biles abriu mão de competir na final individual geral da ginástica artística, na qual Rebeca Andrade foi prata, pela saúde mental. Justificou citando o fenômeno da perda de espaço — twisties. A falta de referências no ar, conhecida principalmente pelos ginastas de trampolim, pode ser reforçada ou ocasionada pelo estresse e colocar o atleta em perigo.
Twisties à parte, a biografia de Biles tem pequenos grandes detalhes. É, ao lado da jogadora de futebol Megan Rapinoe, uma das atletas mais transcendentais dos EUA desde a ex-tenista tcheca naturalizada americana Martina Navratilova pelo ativismo em diferentes causas.
A vida de Biles é um coquetel Molotov. A mãe, Shanon, era dependente de drogas e álcool. Teve quatro filhos e perdeu a custódia deles. Aos três anos, Biles e uma irmã, Adria, foram morar com o avô, Ronald Biles, e a segunda esposa dele, Nellie. Os mais velhos, com a tia.
Midiática desde cedo, Biles é uma das vítimas dos abusos sexuais do ex-médico da seleção de ginástica feminina dos EUA Larry Nassar. Ela quebrou o silêncio em 2018. Há cobrança por perfeição, superexposição nas redes sociais, o tédio do isolamento em uma Olimpíada na pandemia e a agenda. Depois dos Jogos, Biles fará exibições em 36 cidades dos EUA.
Sugiro a você e a todos nós que tenhamos cuidado ao chamar qualquer atleta de “amarelão” ou “pipoqueiro”. Não seja mero consumidor de desempenhos e conquistas. Conheça as biografias. Investigue a alma do seu ídolo. Aproveite o momento em que Biles abre o coração e, indiretamente, educa seus fãs, para amadurecer com eles. Saia do debate raso.
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