OPINIÃO

Artigo: Macaúba, uma palmeira nativa na bioeconomia

Por MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES e SIMONE PALMA FAVARO — Pesquisadores da Embrapa Agroenergia

Diversos estudos indicam que o atual modelo econômico gerador de resíduos, descartes e poluição tenderá a ser gradualmente substituído por uma economia limpa, de base biológica e renovável, capaz de integrar de forma nunca imaginada as indústrias de alimentação, energia, química, materiais e saúde, criando convergência que marcará empresas, negócios e as relações na sociedade. A agricultura e o sistema alimentar global deverão responder a esta realidade com arranjos produtivos diversificados, de baixa emissão de carbono e capazes de economizar recursos naturais valiosos, contribuindo para o progresso e o bem-estar de uma sociedade cada vez mais urbana, bem informada e exigente.

Essa nova bioeconomia fará crescer o interesse pela rica biodiversidade brasileira, que tem enorme potencial de ampliar as funcionalidades da agricultura e das indústrias, com processos limpos, geradores de emprego, renda e progresso. Exemplo concreto é o açaí, que nos últimos 20 anos conquistou o Brasil e os mercados globais. Do açaizeiro, palmeira nativa da Região Amazônica, já se produz 250 mil toneladas de polpa por ano, sem danos à floresta, o que beneficia mais de 300 mil produtores e agrega pelo menos 1 bilhão de dólares à economia amazônica a cada ano.

Outra palmeira que promete ocupar lugar de destaque na nova economia é a macaúba, também conhecida como bocaiúva e macaíba, planta nativa das Américas, de ampla dispersão no território brasileiro. Sítios arqueológicos indicam seu uso durante milênios pelos povos pré-colombianos da América tropical, que aprenderam a extrair e utilizar múltiplos produtos e funcionalidades da planta, que pode atingir até 20 metros de altura e produzir cachos com até 90 kg de frutos — dos quais se obtêm diferentes tipos de óleos e proteína de alto valor nutricional. Do tronco resistente se produzem fibras e madeira, as cascas dos frutos são ricas em minerais e das folhas se extrai fibras para linhas, cordas, redes e cestos. Até seus espinhos podem ter uso industrial.

Óleos são os componentes mais nobres extraídos da polpa e da amêndoa dos seus frutos, ricos em ácidos graxos aplicáveis às indústrias alimentícia, cosmética, farmacêutica, química e energética. Diversos estudos indicam que a macaúba pode produzir anualmente cerca de 4,5 toneladas de óleo na polpa e mais 600 kg de óleo da amêndoa, superando a média de 3,5 toneladas da palma de óleo, ou dendê, que ocupa 10% das terras agrícolas do mundo e fornece óleo para 3 bilhões de pessoas em 150 países. O óleo de palma está em milhares de produtos — desde biscoitos até xampu, razão porque cada um de nós consome, em média, 8 kg do produto por ano. A macaúba tem enorme potencial para reduzir esta enorme dependência da palma de óleo, provendo matérias-primas nobres e mais diversificadas.

Além de componentes importantes da nossa dieta, óleos vegetais com propriedades especiais ganham espaço cada vez mais destacado como ingredientes renováveis, de baixo custo, que agregam valor a grande diversidade de produtos industrializados — desde tornar biscoitos e bolos mais saudáveis, retardar o derretimento de sorvetes, tornar sabões mais espumantes, xampus mais cremosos, batons mais lisos e batatas fritas mais crocantes. Óleos assim nobres e versáteis são produzidos por palmeiras tropicais, sem rivais na capacidade de captar luz solar, fixar carbono e produzir enorme diversidade de biomassas.

Embora o óleo de palma tenha o grande mérito de ter substituído gorduras menos saudáveis nos alimentos e viabilizado grande número de produtos inovadores no mercado, seu enorme impacto no desmatamento de florestas tropicais na Ásia desgasta sua imagem e reduz sua aceitação pelos consumidores. Situação que força a busca por substitutos sustentáveis que não aviltem os preços dos produtos derivados. Um campo aberto para a expansão dos cultivos de macaúba, em especial nas imensas áreas de pastagens degradadas do Brasil, estimadas em mais de 50 milhões de ha, onde a espécie é plenamente adaptada. Além dos produtos que a macaúba gera abundantemente, a espécie pode se tornar um componente chave para a recomposição e manutenção de áreas de proteção ambiental, estimulando a manutenção de nossa biodiversidade pelo seu aproveitamento econômico de maneira sustentável.

É por isso que a Embrapa e suas instituições parceiras investem com vigor no desenvolvimento dessa palmácea como alternativa para a nascente bioeconomia brasileira. Sua introdução em sistemas integrados, em combinação com lavouras anuais, pastagens e produção de carne e leite poderá dar origem a uma diversificada produção de baixa emissão ou até mesmo com sequestro de carbono, criando sinergias entre a agricultura e múltiplos ramos industriais que demandam óleos nobres, proteínas, fibras e outros componentes da sua biomassa. A Embrapa segue ávida em busca de parcerias que consolidem a macaúba como provedora de matérias-primas para as indústrias de energia, alimentos, nutrição animal, produtos químicos e materiais de origem renovável.

Ao longo das décadas o Brasil tem sido reconhecido e reverenciado como país megadiverso, detentor da maior riqueza biológica do planeta. A emergência de um novo paradigma econômico, de base biológica e renovável poderá, finalmente, estimular a transformação desse potencial em riqueza e progresso para o país. A macaúba está no topo da lista de possibilidades e sua ascensão a uma posição de destaque na bioeconomia é questão de tempo — curto, esperamos!