Jovem negra, da periferia, invisível aos ohos do poder público, como milhões de outras, é ouro nas Olimpíadas de Tóquio. Rebeca Andrade é a primeira a conquistar duas medalhas — prata, no solo, e ouro, no salto sobre o cavalo — na maior competição esportiva do planeta, ao som da música Baile de Favela. Uma manhã de domingo gloriosa para ela e para sua família Andrade, que não mediu esforços para que a menina de Guarulhos realizasse seu sonho. Hoje, Rebeca tem chances de mais uma medalha na final do solo individual feminino.
Por um bom tempo, Rebeca foi chamada de “Daianinha de Guarulhos”, por admirar a ex-ginasta gaúcha Daiane dos Santos, outra jovem negra que conseguiu nove medalhas em torneios mundiais, mas nenhuma nas três Olimpíadas de que participou. Ainda assim, Daiane escreveu o seu nome na história do esporte com o seu salto triplo carpado.
Se não fosse a determinação de Rebeca, o apoio da família e dos seus técnicos, ela não teria chegado tão longe. A mãe, dona Rosa, em entrevista a uma emissora de rádio, revelou que trabalhava como empregada doméstica. Quando as contas da casa apertaram, Rebeca parou de treinar. “No começo, eu trabalhava como empregada doméstica, então estava tudo certo. Mas teve uma época em que as contas apertaram, e ela teve de parar de treinar por falta de condições financeiras. Porém, quando retornou, não parou mais. Ia de ônibus e, quando não tinha dinheiro, ia a pé, mesmo com a distância do local do treino — cerca de duas horas a pé”, contou a mãe de Rebeca.
Na falta de dinheiro para o ônibus, ela caminhava por duas horas para treinar. Um dos seus seis irmãos conseguiu comprar uma bicicleta e a levava aos treinos. Os técnicos também ajudaram para que Rebeca pudesse se deslocar até o ginásio. A atleta passou por três cirurgias no joelho, mas não se deu por vencida. Superou as adversidades e conquistou o ouro, um título, até então, inédito para as ginastas brasileiras que participaram das Olimpíadas.
Não há exagero ao afirmar que Rebeca é uma sobrevivente, como milhões de outros jovens negros de periferia que chegaram a duas ou mais décadas de vida e conseguiram concretizar seus sonhos. Vive-se em um país onde a legislação contra o racismo é letra morta. No máximo, as agressões contra os negros não passam de “injúria”, quando deveriam ser enquadradas como crime de racismo, inafiançável e imprescritível. Jovens negros, inclusive as mulheres negras, somam a maioria das vítimas de homicídio. Embora, pretos e pardos sejam maioria, são neglicenciados em plena pandemia, ou seja, somam menos da metade do total de não negros vacinados até o momento. Vivenciam o eterno torneio pela vida.
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