O presidente da República, Jair Bolsonaro, está numa cruzada pelo voto impresso. Ao defender mudança no regulamento do jogo político, emula antigos e modernos cartolas do futebol brasileiro. Prestou atenção nas eleições de alguns times? A maioria ainda usa cédula. Há apurações intermináveis. Escrutínios viram caso de polícia. Vão parar na Justiça.
Ainda vivemos em um país democrático. Bolsonaro, eu e você temos o direito de opinar sobre o voto impresso. Em um plebiscito, eu seria contra. Até que se prove o contrário com responsabilidade — e não leviandade —, confio na urna eletrônica.
A propósito, vale refrescar a memória dos eleitores com algo que tem sido ignorado ou varrido para debaixo do tapete. Em 20 de outubro de 2018, Bolsonaro, então candidato ao Palácio do Planalto, prometeu: “O que eu pretendo é fazer uma excelente reforma política, acabando com o instituto da reeleição, que começa comigo, caso seja eleito”.
Três anos depois, o mesmo presidente eleito que prometia exterminar o instituto da reeleição, em vigor desde a polêmica emenda constitucional número 16 aprovada pelos parlamentares no governo de Fernando Henrique Cardoso, reivindica voto impresso em 2022. A reforma não começará por Bolsonaro. Ele tentará, sim, a reeleição.
O presidente é mais um infectado pelo vírus do poder. Tenta mudar a regra, adaptar o regulamento do campeonato à fórmula de disputa que lhe convém. Qualquer semelhança com os “euricos mirandas” da vida é mera coincidência.
Mostrei aqui, outro dia, como funciona o colégio eleitoral da CBF. Em 2017, o ex-mandatário da entidade Marco Polo Del Nero alterou o estatuto em uma assembleia-geral administrativa sem a participação dos clubes a fim de empoderá-lo. O sistema perdura.
São 27 federações estaduais. O voto delas passou a ter peso 3, ou seja, 81 pontos no colégio eleitoral da CBF. Os 20 clubes da Série A são peso 2: 40 pontos. Os 20 da segunda divisão, 1, ou seja, 20. Faça as contas. A soma dos votos dos 40 times sempre será inferior ao das 27 federações: 60 x 81. Mais: para lançar candidatura, o pretendente precisa do aval formal de oito clubes e outras cinco federações — que geralmente não apoiam oposicionistas.
Política e futebol. Recortes de um país viciado em manipular as regras do jogo. Desconfie de quem atualiza estatutos na surdina, como Del Nero em 2017. E de quem faz discurso pelo voto impresso justamente quando a consolidada urna eletrônica completa 25 anos. Péssimo exemplo de quem está no poder e avisa, do Planalto, que não aceitará outro resultado em 2022, digital ou analógico, que não seja a vitória dele. Isso é perigoso.
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