Alegando deficit orçamentário, o Ministério da Fazenda propõe adiar o pagamento dos precatórios judiciais, abrindo espaço para a concessão de benefícios assistenciais. Essa proposta é uma aberração tanto do ponto de vista jurídico quanto político e econômico. É falsa essa competição entre os precatórios, despesa da qual a União não pode se livrar, com a concessão de auxílios sociais, que constituem uma obrigação moral e social, mas não jurídica.
Como não bastasse, o dinheiro para pagar os precatórios está bem à mão; se vão querer lançar mão desses recursos também para auxiliar pessoas em situação de miserabilidade, ou empresas em dificuldades, para preservar empregos e reaquecer a economia, é uma outra discussão. O fato é que, dependendo do câmbio, temos mais de R$ 2 trilhões em treasuries etc., cinco ou seis vezes a nossa base monetária, financiando o deficit dos Estados Unidos, não o nosso.
Não é recente a polêmica entre aqueles que defendem manter reservas financeiras internacionais elevadas e outros que propõem utilizar esse capital para alavancar a economia brasileira ou reduzir a nossa dívida interna. Muito menos há consenso sobre qual seria o nível ideal dessa poupança. Todavia, esse debate só faz sentido em tempos normais, pois guardamos dinheiro no exterior para momentos de crise. Ora, levante a mão aquele que acha que estamos em período de normalidade.
Se a intenção é conceder auxílios às pessoas físicas ou jurídicas, realmente, basta repatriar uma pequena fração desse pé-de-meia. Sim, 5% ou, no máximo, 10% desse montante bastariam para cobrir nosso déficit orçamentário, até porque grande parte voltaria sob a forma de impostos. Realizado nos momentos corretos, isso poderia, inclusive, contribuir para corrigir distorções na taxa de câmbio e jamais colocaria nossas exportações em risco, ajudando a conter a inflação em combustíveis, carne e demais commodities. Reservas internacionais não são uma coleção de moedas, que mantemos intocadas para sempre. Devemos lançar mão delas quando evidentemente necessário.
Em todo caso, os precatórios não constituem nenhuma benesse, mas obrigações jurídicas consolidadas e reconhecidas pelo Judiciário, após esgotados quaisquer recursos. Saldar o que se deve, metade referente a vencimentos, aposentadorias ou pensões, não é apenas uma questão jurídica, mas também moral, ainda mais em tempos de penúria. Adiar a satisfação dos precatórios seria tão iníquo quanto atrasar o salário dos servidores ou o pagamento das faturas dos fornecedores. E cumpre lembrar que isso tende a voltar para a economia, fazendo-a girar, tanto quanto outros mecanismos de quantitative easing.
Se alguém não pagar seus débitos, o juiz manda bloquear sua conta bancária, mas a União tem, “escondido” no exterior, todo o dinheiro necessário para solver seus precatórios. Um popular chamaria isso de calote. Um jurista, litigância de má-fé. A União simplesmente não pode manter no estrangeiro quantias que, diante da Constituição, cabem a seus credores. Quem paga o que deve aumenta seu cabedal. Quem paga o que deve sabe o que tem.
*Henrique Geaquinto Herkenhoff é advogado e professor universitário. Ex-procurador regional da República e ex-desembargador federal
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